por Ramon Barbosa Franco
“Às vezes paravam num povoado, numa vila. Chico Bento, a custo, sujeitando-se às ocupações mais penosas, arranjava um cruzado, uma rapadura, algum litro de farinha. Mas isso de longe em longe. E se não fosse uma raiz de mucunã arrancada aqui e além… teriam ficado todos pelo caminho”. Voltei ao trecho do romance regionalista ‘O Quinze’, de Rachel de Queiroz (1910-2003) – acreditem, a primeira mulher a ser empossada como imortal da Academia Brasileira de Letras isso somente no final da década de 1970, na noite de sexta-feira passada, dia 3 de maio – a um mês do meu aniversário.
O texto me foi apresentado como epígrafe para abertura do show ‘Coisa linda aqui de dentro’, do grupo Mucunã. Espetáculo que tive a honra e a grata satisfação de apresentar no Teatro Municipal ‘Waldir Silveira Mello’, o mesmo palco que anos atrás o Mucunã subiu acompanhado de Pena Branca (José Ramiro Sobrinho, 1939-2010) e estive na plateia vivendo emoções inesquecíveis.
Permitiu-me o destino que fosse escolhido pelos integrantes do Mucunã – Isaac Pereira, Augusto Botelho Campos, Marcellus Beato, Júnior Góes, Francine Jorente e Fábio Guimarães – como o condutor da apresentação, que, na verdade se traduziu numa verdadeira viagem ao nosso Brasil de dentro, este Brasil que muitas vezes é deixado de lado pela surdez gerada pela ruidosa e barulhenta cultura pop.
Longe de mim criticar a cultura pop, pois também sou integrante dela e obviamente um gerador de conteúdo de suas vertentes, como a mídia digital, o audiovisual e o impresso. Entretanto, ainda falta espaço dentro da cultura pop para que a artesanalidade de uma autêntica música caipira seja, de fato, consumida e apreciada.
O espetáculo do Mucunã – e mucunã, em tupi-guarani dá nome a uma planta resistente do sertão brasileiro – sintetizou a narrativa do cancioneiro caipira, mostrando que grandes nomes da moda raiz tiveram vínculos com Marília.
Entre estes monstros sagrados, o Mucunã reviveu o querido Caim (Sebastião Silva, 1944-2024), falecido no mês passado. O ex-vereador, que recebeu título de Cidadão Mariliense, contribuiu para a formação de grandes nomes do universo sertanejo, a exemplo de Zezé Di Camargo e Leonardo, entre outros.
Fui vizinho de Caim, na zona Oeste, e me lembro que numa noite de sábado, fomos juntos assistir uma missa na capela de Santa Luzia, no distrito de Lácio. Caim era devoto da protetora dos olhos. Ainda no palco do Mucunã esteve a dupla Dudu Marques e Marcel, precursores do que depois foi chamado de ‘sertanejo universitário’.
Dudu, outro grande amigo estimado, esteve comigo em algumas jornadas culturais, a exemplo do lançamento da HQ, ‘Radius’. E, relembrando o quanto a cultura e a música são essenciais para a plenitude da vida, posso afirmar que se não fosse a poesia que nasce tanto da amizade, quanto do fazer artístico, acho que muitos dos meus sonhos teriam ficado pelo caminho, esquecidos em terra seca. Amizade e arte sempre me deram esperanças e, como não, reacenderam a minha fé.