Sebastião Leme viveu em Marília (SP) e também foi responsável por registros da construção de Brasília (DF) com sua câmera que registrava fotogramas com grandes ângulos
São mais de 25 mil fotos que compõem o acervo de cliques feitos pelo fotógrafo Sebastião Leme. Entre elas, estão imagens pessoais com membros da família, registros do desenvolvimento da cidade de Marília (SP), da construção de Brasília (DF), e fotogramas em 360° capturados com uma câmera desenvolvida pelo próprio fotógrafo, que foi pioneiro nessa modalidade.
Nesta quarta-feira (8), em comemoração ao Dia do Fotógrafo, o g1 conta a história de Sebastião Leme, um precursor da fotografia com grandes ângulos, que possui um vasto acervo disponível para pesquisa, mas que ainda está em processo de ser reconhecido pelo grande público.
Achado inusitado
Sebastião Carvalho Leme nasceu em 1918 e viveu até 2007. Em entrevista ao g1, uma das filhas dele, Maria Isabel Leme, contou que o interesse do pai por fotografia surgiu quando ele ainda era criança, com aproximadamente 7 anos de idade.
A família plantava café em uma propriedade rural de Marília quando, ainda garoto, Sebastião encontrou uma câmera fotográfica próxima a um pé de café.
“Ele ficou super interessado. Aí, o pai dele colocou, vamos dizer, uma restrição, que ia dar um tempo para esperar aparecer o proprietário da máquina. Mas ele não apareceu. Então, aquela máquina foi a origem de tudo”, conta a filha.
Com o tempo, Sebastião foi se entusiasmando com a fotografia. Ele teve suas primeiras câmeras, mas suas fotos eram restritas a capturar momentos em família, fotografando parentes, flores e paisagens, apesar do grande teor artístico dos resultados.
Esse teor artístico resultou na sua participação em algumas exposições. No entanto, seu primeiro trabalho como fotógrafo profissional aconteceu apenas no fim da década de 1940, quando foi contratado pela pioneira do cinema nacional Companhia Vera Cruz para fotografar os bastidores do primeiro longa da produtora, “O Caiçara”, rodado em Ilhabela (SP).
“Nesse período, a fotografia meio que deixa de ser só um hobby e passa a ter um caráter mais profissional”, conta Maria Isabel.
Os cliques desse período de Sebastião hoje fazem parte do acervo da Cinemateca Brasileira, na capital paulista.
Paixão por Marília e as fotos 360°
Após o período em Ilhabela com a Companhia Vera Cruz, o fotógrafo voltou à cidade natal, Marília, que também é protagonista de seus registros.
Sebastião Leme cresceu junto com a cidade, e suas fotos aéreas da região ganharam destaque.
“Ele era apaixonado por Marília. Registrava os momentos da cidade, os aspectos industriais, sociais e culturais. Marília foi uma grande paixão na vida dele, e isso transpareceu nas suas fotos”, conta a filha.
Foi, inclusive, por um desafio de registro de uma esquina entre duas avenidas de Marília que surgiu a principal criação de Sebastião nos anos 1950. Um empresário amigo do fotógrafo queria uma foto que capturasse toda a esquina entre duas avenidas da cidade.
Brunno Alexandre, jornalista e produtor de um documentário sobre a obra do fotógrafo, explicou como foi narrado o episódio da criação de uma câmera que registrava fotos em 360°, desenvolvida pelo próprio Sebastião.
“Ele começou a se envolver com a fotografia e a desenvolver habilidades em maquinaria, o que o levou a construir suas próprias câmeras. Nesse processo, ele adquiriu conhecimento teórico e prático para criar equipamentos fotográficos. Sebastião Leme foi além, desenvolveu três protótipos de câmeras 360 graus”, conta Brunno.
Fotos de Brasília
Outro marco na carreira de Sebastião foram as fotos que fez da construção de Brasília. Ele foi contratado por uma empresa de São Paulo que estava loteando uma área na nova capital.
“Ele participava de salões de fotografia, e uma imobiliária de São Paulo, que estava lançando um loteamento em Brasília, o convidou para registrar as fotos. Essas imagens seriam usadas para divulgação em São Paulo, com o objetivo de atrair clientes, e foi assim que ele começou. Ele foi para Brasília quatro vezes nessa fase”, conta Maria Isabel.
Com o passar do tempo, por conta da idade, Sebastião parou gradativamente de fazer fotografias em locações e começou a explorar mais ainda as fotos artísticas, experimentando com luz e sombra, por exemplo.
Além disso, o fotógrafo era deficiente auditivo, o que, segundo sua filha, gerou alguns problemas de comunicação, mas também o ajudou a aguçar sua visão.
“A dificuldade auditiva dele vem desde os 17, 18 anos, e a dificuldade foi aumentando. Os aparelhos auditivos davam conta, mas, no final, foi ficando mais difícil pra ele. Mas ele tinha uma leitura labial muito, muito forte. Ele foi um homem que enfrentou muitos desafios e os cumpriu”, finaliza.
Documentário e preservação do legado
Em 2023, um documentário foi produzido sobre a história de Sebastião Leme. O filme foi dirigido pelo cineasta mariliense Rodrigo Grota, radicado em Londrina (PR), e vencedor de vários prêmios Kikitos no Festival de Cinema de Gramado (RS).
A produção do documentário, realizada pela produtora Nossa Quintal, de Marília, contou com apoio financeiro da Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal da Cultura.
A obra incluiu mais de 15 entrevistas e acesso ao acervo preservado pela família Leme, doado à Câmara Municipal de Marília.
Sebastião também teve papel estratégico na Comissão Organizadora dos Registros Históricos do Legislativo do município, conseguindo até mesmo registrar cinematograficamente o depoimento do primeiro prefeito de Marília, o engenheiro Durval de Menezes, que morava no Rio de Janeiro (RJ) na época da gravação.
Em parceria com o campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília, o grupo de pesquisa coordenado pela bibliotecária Wilza Matos auxiliou na limpeza, organização e digitalização de parte do acervo, que contém mais de 20 mil negativos, fotografias, jornais, revistas, VHS e rolos de película de 8, 15 e 32 milímetros.
Dia do Fotógrafo
No Brasil, o Dia Nacional da Fotografia é comemorado no dia 8 de janeiro, data que marca a chegada da primeira câmera fotográfica ao país, o daguerreótipo, em 1840. Inventado por Louis Jacques Mandé Daguerre, o equipamento foi utilizado pela primeira vez no Brasil por D. Pedro II, que teve o título de primeiro fotógrafo brasileiro.
Trazida pelo abade Louis Compte, a câmera era usada de forma restrita, destinada principalmente ao registro de figuras importantes da sociedade e paisagens.
Internacionalmente, a fotografia é celebrada em 19 de agosto, em referência à apresentação do daguerreótipo à Academia de Ciências da França, em 1839.
O Daguerreótipo havia sido inventado apenas cinco meses antes do registro feito no Rio — Foto: Reprodução internet
Matéria: g1 Bauru