A imagem mais conhecida da muito falada geração Z, composta de adolescentes e adultos com menos de 30 anos, é a de jovens encerrados em seus quartos, com a cara enfiada nas telas enquanto o mundo gira do lado de fora. De fato, muitos levam a vida dessa forma. Mas, nos últimos tempos, sacudidas em pontos diversos do planeta vêm mostrando que pelo menos uma parte dessa turma, quando provocada, converte-se em inesperada e potente força política. Movidos pela onipresença digital, jovens tomam as ruas de capitais do Oriente e do Ocidente, em revoltas capazes de abalar e até derrubar governos. Cada país afetado tem sua singularidade e o estopim dos protestos varia, mas o motor central é o mesmo: aversão profunda à elite política tradicional e suas ostentações de luxo e poder.
As novas gerações de revoltados cresceram em um contexto de desigualdade social, volatilidade econômica e crises geopolíticas, sem incentivos e sem vagas de trabalho — um caldo de incertezas pronto para entornar. E, quando entorna, melhor sair da frente. Há poucos dias, o presidente de Madagascar, Andry Rajoelina, um ex-DJ no poder desde 2009, foi obrigado a fugir do país após duas semanas seguidas de protestos contra recorrentes apagões que escalaram para gritos contra o governo e o hábito da família presidencial de esbanjar em viagens à França. “A juventude se sente traída”, resume Hari KC, cientista político da Universidade Wilfrid Laurier, nascido no Nepal. Ali, em setembro, o primeiro-ministro Sharma Oli acabou deposto por uma turba enfurecida autodenominada “gen Z”. No processo, a turma incendiou vários prédios governamentais. Lá, onde o desemprego atinge um quinto dos jovens, o estopim para a rebelião foi a suspensão de 26 plataformas digitais, nas quais jorravam críticas à vida luxuosa de políticos e seus filhos.
Pouco antes, no Quênia, o presidente William Ruto reverteu um previsto aumento de impostos sob a pressão do pelotão Z. Do Quênia e do Nepal, o movimento se espalhou, tendo como símbolo compartilhado a caveira com chapéu de palha do popular mangá One Piece, em que o herói luta contra um regime corrupto e opressor. Após o impeachment da impopular presidente peruana Dina Boluarte no início do mês, os jovens nas ruas não arredaram pé, exigindo que o governo interino faça mais para combater a violência que assola o país. Bem longe dali, a monarquia do Marrocos se viu obrigada a prometer, no domingo 19, uma série de melhorias na saúde e na educação em resposta à grita do grupo Geração Z 212 (referência ao DDD local), que marchou em Rabat para condenar a canalização de recursos públicos para a Copa do Mundo de 2030.
Tal qual em outras ondas de protestos na última década, a mobilização dos jovens de hoje não tem aviso prévio nem liderança conhecida. Isso dificulta a reação das autoridades, mesmo com a repressão brutal — foram 72 mortos no Nepal, três no Marrocos e ao menos um no Peru, por ora. Por outro lado, pulveriza as conquistas. “Os jovens não têm os meios para converter insatisfações legítimas em políticas ou estruturas de governo coerentes”, afirma Omar Coronel, da PUC-Peru. No Nepal, um novo governo já cortou o diálogo com os insurgentes. Em Madagascar, o Exército aproveitou o caos para se instalar no poder. Com ou sem resultados práticos, uma coisa é certa: provocados além da conta, jovens no mundo todo estão dispostos a ir para a rua e ver o circo pegar fogo. Ou a pôr fogo nele.
Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2025, edição nº 2967













