Eu não gosto de me autorrotular. Quando dizem que sou superdotada, isso não me envaidece. Aos 11 anos, fiz uma avaliação neuropsicológica, que demonstrou uma capacidade diferenciada, encontrada em apenas 3% da população mundial. Também faço parte do Núcleo de Atividades de Altas Habilidades, um programa do governo do Acre, feito para ajudar no desenvolvimento de jovens superdotados. Sempre tive muita facilidade em aprender, tanto que tenho tédio no colégio. Passei para a Faculdade de Medicina, aos 12 anos, e consegui pontuação no Enem suficiente para me escrever em outros treze cursos, aos 13 anos. Minha mãe diz que é importante provar meu talento para conseguir oportunidades. Essa é a razão de termos feito inscrições em catorze instituições de nível superior.
Com isso, consegui acelerar a passagem do 8º ano do ensino fundamental para o 1º do médio. Tenho 14 anos, mas acho que poderia ir para o 3º. Quero acabar logo o sofrimento do colégio. O fundamental é aprender, e não ter o título. Gosto de ganhar visibilidade pelas minhas conquistas. Como diz minha mãe, elas abrem novas e melhores chances. Costumo fazer muitas atividades extracurriculares. Preciso desse excesso. Preciso de agenda lotada. Preciso de desafios, que não encontro na escola. A ansiedade pelo conhecimento me fez aprender a tocar dez instrumentos, entre eles, teclado, violino e saxofone. Meus pais me incentivaram muito para que gostasse de música, mas criei outros hobbies, como leitura, jogos tradicionais, cartas, quebra-cabeças e xadrez. Gosto de bordar, costurar e fazer crochê. Adoro assistir a animes, doramas (séries de TV asiáticas), resumos de manhwa (histórias em quadrinhos sul-coreanas), porque me relaxam, mas sei também que podem ser futuramente uma nova área de conhecimento para me aprofundar. Desejo, cada vez mais, fazer coisas diferentes.
Por outro lado, por ansiar constantemente algo que nunca vivi, acabo deixando um pouco de lado o sono; mas eu extrapolo — quando posso, durmo doze horas sem interrupção. Oito horas de sono, muitas vezes, não são suficientes. Fico muito cansada e preciso de um descanso longo, porque não dou conta do desgaste físico e mental. Queria ter tempo para fazer mais coisas. Seria mais fácil se pudesse terminar o mais rápido possível alguns deveres, para aprender o que realmente me interessa. Apesar de a escola ser um centro de conhecimento fundamental, sempre há maneiras mais eficientes de aprender do que a instituição proporciona. O colégio se adapta ao nível da maioria, o que impossibilita o preenchimento de lacunas individuais dos alunos mais avançados. Por isso, prefiro buscar o conhecimento por conta própria, para que se encaixe no meu patamar. Faço Kumon desde os 5 anos de idade, o que me ajudou muito nas aulas de matemática, português e inglês. Quando tem prova de matemática no meu colégio, eu nem preciso estudar e sempre tem alguém que pede cola.
Não tenho muitos amigos. Também não tenho namorado, porque nunca encontrei ninguém que tivesse o mesmo nível que eu. Não é preconceito, mas, se não for pelo menos parecido, fica chato. Além disso, sou avessa a eventos sociais. Como estudo em colégio militar, tem algumas festividades em que somos obrigados a participar. Prefiro ficar na minha casa, no ar-condicionado, desafiando meus irmãos em jogos de tabuleiro. De novo: não vejo a hora de terminar o colégio. Almejo avançar na minha carreira, para ter uma vida estável e recompensar meus pais pela dedicação que tiveram. Quero encontrar pessoas interessantes para que eu possa aprender com elas. Sonho influenciar na formação de cidadãos mais capazes e úteis à sociedade.
Ana Joyce do Carmo Gomes em depoimento a Valéria França
Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965