O uso da cannabis em tratamentos veterinários tem ganhado destaque nos últimos anos, especialmente com o crescente interesse pelo canabidiol (CBD), um dos principais compostos terapêuticos da planta. Estudos e experiências clínicas apresentados ao longo deste artigo, indicam que o CBD pode ser uma alternativa eficaz para aliviar dores crônicas, convulsões e transtornos de ansiedade em pets. Conversamos com especialistas sobre esse tipo de tratamento, que vem se consolidando como uma opção segura para melhorar a qualidade de vida dos pets. Confira abaixo sobre este assunto.
Evidências científicas: o impacto do CBD em cães e gatos
Um estudo da Universidade de Cornell, em 2018, foi um dos pioneiros a analisar os efeitos do CBD em cães com artrite, revelando uma redução significativa da dor e uma melhora na mobilidade em até 80% dos casos. Esses resultados reforçam o potencial terapêutico do CBD para doenças musculoesqueléticas, comuns em cães idosos ou com condições crônicas.
A médica veterinária Priscila González, especialista em canabinoides na Clinipet, compartilhou sua experiência clínica, afirmando que “tem observado resultados positivos no tratamento de dores oncológicas, convulsões refratárias, inflamação intestinal e dermatites crônicas.”
Além disso, Priscila tem alcançado sucesso no manejo da cistite idiopática em felinos, substituindo a gabapentina pelo CBD e prolongando os intervalos entre as crises urinárias.
Um estudo publicado em 2021 na Frontiers in Veterinary Science também destacou os efeitos do CBD em cães com ansiedade. Os resultados mostraram uma redução significativa nos sinais de estresse, incluindo maior tranquilidade e melhor adaptação a situações do dia a dia.
Como o CBD atua nos pets
O CBD age de maneira semelhante em pessoas e animais, pois interage com o sistema endocanabinóide (SEC), presente na maioria dos mamíferos. Esse sistema regula funções essenciais, como dor, inflamação, humor, apetite e resposta imunológica.
O CBD atua modulando dois receptores principais:
- CB1: Predominante no sistema nervoso central, contribuindo para efeitos ansiolíticos e anticonvulsivantes.
- CB2: Associado ao sistema imunológico, proporcionando efeitos anti-inflamatórios e analgésicos.
Diferente do THC, o CBD não possui efeitos psicoativos, tornando-se uma opção terapêutica segura para os pets.
Explicando claramente a diferença entre os dois compostos: o THC e o CBD.
O THC (tetrahidrocanabinol) é o composto da cannabis responsável pelos efeitos psicoativos, ou seja, aqueles que alteram o estado mental, como mudanças na percepção e no humor. Ele age diretamente no cérebro, podendo causar sensações como relaxamento ou euforia. Já o CBD (canabidiol), outro composto da cannabis, não produz esses efeitos psicoativos, sendo seguro e amplamente estudado para uso terapêutico em pets. Por isso, enquanto o CBD é uma opção viável para cuidar da saúde dos animais, o THC não é recomendado para eles.
Aplicações terapêuticas do CBD para pets
A médica veterinária Priscila Alves destaca que o CBD tem demonstrado benefícios no tratamento de diversas condições em pets, incluindo:
- Epilepsia: Redução significativa na frequência e intensidade das convulsões.
- Dor crônica e inflamação: Alívio dos sintomas da artrite, proporcionando mais conforto e mobilidade.
- Ansiedade e estresse: Auxilia no controle de comportamentos agressivos, destrutivos ou fóbicos.
- Doenças neurodegenerativas: Contribui para a qualidade de vida de pets idosos, retardando o avanço de doenças cognitivas.
- Náuseas e vômitos: Especialmente útil para pets em tratamento quimioterápico ou com doenças gastrointestinais crônicas.
- Regulação do sono: Melhora na qualidade do sono em pets com insônia ou distúrbios do sono.
- Fortalecimento do sistema imunológico: Ajuda a equilibrar a resposta imunológica, sendo um coadjuvante no tratamento de doenças autoimunes.
O CBD é geralmente bem tolerado, mas alguns efeitos colaterais podem ocorrer, como:
- Sonolência leve (mais comum em doses elevadas).
- Alterações gastrointestinais (diarreia ou vômitos ocasionais).
- Boca seca, podendo levar a maior consumo de água.
- Alterações na função hepática, exigindo monitoramento em tratamentos prolongados.
Como a cachorrinha Julie venceu a epilepsia com o uso da cannabis medicinal
Julie, uma cachorrinha da raça pinscher de 4 anos, sofreu por dois anos com crises de epilepsia. Durante esse período, foi tratada com medicamentos convencionais, mas os efeitos colaterais acabaram comprometendo sua qualidade de vida. Segundo sua tutora, Léa de Andrade, que é aposentada, a cadela passava os dias sonolenta, sem conseguir brincar ou correr como antes. Além disso, o uso do fenobarbital fez com que Julie adquirisse sobrepeso, o que trouxe mais preocupação para Léa.
Diante dessa realidade, Léa decidiu buscar alternativas e começou a estudar sobre o uso da cannabis medicinal para pets. “Vi algumas reportagens e comecei a investigar na internet. Busquei informações com pessoas que tiveram prescrição e comentei com o veterinário dela”, relata.
Após iniciar o tratamento com óleo de cannabis, a mudança foi evidente: as crises desapareceram, e Julie recuperou sua energia. Hoje, além de levar uma vida ativa e saudável, a cadela já reconhece o momento de tomar o óleo e aguarda ansiosamente, como se soubesse o bem que aquilo lhe faz. “Sim, ela já sabe os horários e aceita bem a medicação. Ela se acalma quando é medicada e, às vezes, dorme logo depois”, conta Léa.
Os desafios regulatórios do uso veterinário de produtos à base de cannabis no Brasil
No Brasil, o uso veterinário de produtos à base de cannabis ainda não é regulamentado pela Anvisa nem pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), dificultando a prescrição direta pelos veterinários. Atualmente, os produtos precisam ser importados com autorização da Anvisa, gerando insegurança jurídica para veterinários e tutores.
O futuro da cannabis veterinária
O uso de cannabis na medicina veterinária tem um futuro promissor, com avanços esperados em três áreas principais:
- Regulamentação no Brasil: Pressão crescente para que o CFMV e o MAPA – Ministério da Agricultura e Pecuária liberem o uso veterinário, seguindo a regulamentação já existente para humanos.
- Maior número de pesquisas: Estudos em andamento podem consolidar a eficácia e segurança do CBD para diversas condições.
- Expansão do mercado: A regulamentação permitiria a entrada de empresas nacionais, tornando os produtos mais acessíveis e padronizados.
Os custos para o tratamento de pets com cannabis variam conforme a necessidade clínica do animal. Segundo Priscila Alves, a consulta inicial custa em média R$ 200, enquanto os exames podem variar entre R$ 150 e R$ 400. O óleo artesanal, uma das opções terapêuticas, custa cerca de R$ 500, enquanto o importado pode chegar a R$ 1.200, tornando o tratamento um investimento que depende do quadro clínico e da escolha dos tutores.
O uso do CBD na medicina veterinária tem mostrado resultados promissores como uma ferramenta terapêutica complementar. No entanto, é fundamental que seu uso seja sempre supervisionado por um médico veterinário, garantindo a segurança e eficácia do tratamento, bem como a adequação às necessidades específicas de cada pet. Isso assegura que os benefícios sejam alcançados de forma segura e personalizada para cada pet.