O governo deve conseguir baratear a conta de luz dos consumidores no curto prazo com a edição de uma medida provisória publicada na terça-feira (9), mas os efeitos positivos vão durar pouco. A tendência é que no médio e longo prazo a iniciativa leve ao aumento no preço da energia. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pelo Brasil 61.
Para o diretor de energia elétrica da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia Elétrica (Abrace), Victor Iocca, a MP é controversa. “A medida possibilita uma redução tarifária no curto prazo, em 2024 e 2025, mas acaba postergando subsídios existentes. Ele te dá com uma mão, mas logo ali na frente te tira com a outra”, diz.
Iocca acredita que a estimativa do governo de redução de 3,5% a 5% na conta de luz de forma imediata vai se concretizar. “Esses 3,5% vão voltar na frente. É um alívio agora, mas que no médio e longo prazo, infelizmente, as tarifas voltam a aumentar”, pondera.
Advogado especialista em setor elétrico, Thiago Bao Ribeiro, CEO do Bao Ribeiro Advogados, diz que a conta de luz é encarecida por causa dos inúmeros subsídios concedidos pelo governo a alguns setores, como as térmicas, por exemplo. Esses subsídios são pagos pelos consumidores por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Segundo ele, a solução proposta pelo Ministério de Minas e Energia para baratear a energia não foi acertada, pois resolve o problema de forma paliativa. “É um cobertor curto. Você puxa de um lado e do outro lado aparece. Não é a melhor solução”, avalia.
Conta de luz mais barata no curto prazo
Três trechos do texto visam empurrar para baixo o preço da conta de luz. O primeiro destina recursos inicialmente voltados para projetos de pesquisa e desenvolvimento e eficiência energética para a CDE, de modo a reduzir as tarifas.
A MP também autoriza a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) a negociar, no mercado, a antecipação de repasses da Eletrobras para a CDE — algo que está previsto no processo de privatização da companhia.
Na prática, o governo usa os recursos que tem a receber da Eletrobras nos próximos anos como garantia para conseguir dinheiro emprestado com bancos e quitar dívidas cujos valores foram embutidos na conta de luz: as chamadas contas Covid e Escassez Hídrica. Espera-se que, ao zerar esses passivos, a conta de luz fique mais barata no curto prazo.
É o que explica Iocca. “A medida autoriza a CCEE a negociar com os bancos um empréstimo para pegar o recurso agora e quitar os empréstimos que foram feitos na época das crises hídrica e pandêmica, e dar como garantia os recursos que vão entrar da Eletrobras privatizada, que deveriam ser direcionados para redução dos encargos tarifários. A gente vai parar de reduzir esses encargos tarifários no futuro para garantir uma quitação de empréstimos feitos no passado.”
Outro ponto da medida visa diminuir o custo da energia para os moradores da região Norte. De acordo com a lei de privatização da Eletrobras, a companhia deve aportar R$ 295 milhões por ano, durante uma década, para a redução estrutural de custos de geração de energia na Amazônia Legal. A MP autoriza o uso desses recursos para subsidiar desconto na conta de luz.
Energia mais cara no futuro
Especialistas do setor elétrico demonstram preocupação com parte do texto que concede a empresas de energia renovável, como eólica, solar e biomassa, mais 36 meses para o início das operações de suas unidades geradoras de energia. Isso garante a elas redução, em pelo menos 50%, da conta a ser paga pelo uso dos sistemas elétricos de transmissão e de distribuição.
“É um desconto de 50%, quem vai pagar a outra parcela? Os consumidores, por meio da CDE, que é onde concentram os subsídios que o governo dá. O governo dá um subsídio, cobra do consumidor. Eu vou ter um período de quatro a cinco anos de redução da tarifa de energia, provisório, mas quando essas usinas entrarem em operação e começarem a usufruir desse benefício, essa conta vai cair na mão do consumidor de novo”, explica Ribeiro.
De acordo com a Abrace, a manutenção dos subsídios para o setor trará impacto de R$ 4,5 bilhões anuais a partir de 2029 — valor que será incluído na CDE e, por consequência, no bolso do contribuinte.
“A CDE está próxima dos R$ 40 bilhões. R$ 4,5 bi é aproximadamente 13% do orçamento total da CDE, valor que será dividido entre todos os consumidores, com certeza”, afirma Iocca.
Tramitação
A MP tem força de lei desde sua publicação, mas para ter efeitos definitivos precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional em até 60 dias, prazo que pode ser prorrogado pelo mesmo período caso deputados e senadores não analisem o texto a tempo.
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Fonte: Brasil 61