O Brasil deu na última semana um passo concreto para criar um mercado de conservação ambiental. O Serviço Florestal Brasileiro (SFB) realizou a emissão inaugural das Cotas de Reserva Ambiental (CRAs), títulos que transformam áreas preservadas de vegetação nativa em ativos financeiros.
A operação simbólica foi feita pela BVRio, organização que estruturou a base técnica e jurídica do mercado. Cada cota equivale a um hectare de floresta mantida além das exigências legais e pode ser usada por proprietários rurais para compensar déficits de Reserva Legal.
O evento, realizado no Ministério do Meio Ambiente, no Rio de Janeiro, teve a presença da ministra Marina Silva, que classificou as cotas como um instrumento de “justiça ambiental”.
“Quando estimulamos a proteção, estamos evitando que a mudança climática se agrave e beneficiando os mais vulneráveis. É um mecanismo de justiça ambiental”, afirmou.
A emissão das primeiras cotas ocorre 13 anos após a criação do mecanismo pelo Código Florestal de 2012. Desde então, a regulamentação e a ausência de um sistema operacional impediram o avanço do mercado.
Com o módulo de Cotas de Reserva Ambiental finalmente incorporado ao Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), o governo federal deu sinal verde para que proprietários com excedente de vegetação nativa pudessem transformar a conservação em oportunidade econômica.
Mercado verde
O potencial do mercado de CRAs é considerado um dos maiores do mundo. Estima-se que o Brasil tenha cerca de 68 milhões de hectares de áreas com vegetação excedente à Reserva Legal, passíveis de gerar cotas.
No Cerrado, são 33 milhões de hectares que poderiam ser preservados e remunerados, valor que pode se multiplicar caso o instrumento seja integrado ao futuro Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões.
As primeiras cotas emitidas correspondem a uma área preservada em Nova Friburgo (RJ), pertencente ao médico e ambientalista Bernardo Furrer, dono de duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN).
“A emissão das CRAs é um marco na implantação definitiva do Código Florestal. A natureza protegida é possibilidade real de um ambiente saudável”, disse Furrer.
Retomada do Código Florestal
Para especialistas, a consolidação do mercado de CRAs recoloca o Código Florestal no centro da agenda ambiental brasileira, às vésperas da COP30.
Estudo do PlanaFlor, plano estratégico ligado à implementação da lei, estima que a aplicação integral das normas pode gerar 2,5 milhões de empregos, proteger 80 milhões de hectares e restaurar outros 12 milhões de áreas degradadas.
Essas ações, segundo o levantamento, podem movimentar US$ 5,7 bilhões anuais em novas receitas ambientais, considerando os mercados de carbono e de ativos florestais.
“Cada cota é um hectare de vegetação nativa que se transforma em ativo financeiro, mudando completamente a equação da conservação no país”, afirma Roberta del Giudice, diretora de Florestas e Políticas Públicas da BVRio.
O diretor do SFB, Gabriel Lui, reforça que o avanço representa “uma virada de chave na implementação da lei”.
“As CRAs permitem transformar a conservação em oportunidade econômica, valorizando quem protege e oferecendo segurança jurídica a quem precisa se regularizar.”
Da promessa à prática
Fundada em 2011, a BVRio foi pioneira na criação de instrumentos de compensação ambiental e, ainda em 2012, desenvolveu a primeira plataforma de negociação de CRAs. À época, o mercado não prosperou: faltavam compradores e clareza regulatória.
Para o cofundador da BVRio, Pedro Moura Costa, o cenário agora é outro.“Com o governo emitindo as primeiras cotas, temos a chance real de destravar esse potencial. O desafio é garantir integridade e escala, algo que a BVRio está preparada para apoiar”, disse.
A expectativa é que, com o avanço do sistema, produtores rurais e empresas com passivos de Reserva Legal possam comprar cotas de áreas preservadas no mesmo bioma, estimulando a conservação privada e o cumprimento do Código Florestal.
“A lei fornece o conjunto de ferramentas mais avançado do mundo para conciliar produção e conservação”, afirma Maurício de Moura Costa, também cofundador da BVRio.













