Guerra nos ares: drones levam confronto entre polícia e crime para os céus do Rio

A sangrenta batalha entre as forças de segurança do Rio de Janeiro e o crime organizado, capaz de produzir quase que diariamente cenas de triste violência, vem extrapolando a troca de tiros em terra firme para alcançar os céus, tal como em conflitos armados que se desenrolam mundo afora. Nesta era em que os drones andam em alta no belicoso xadrez geopolítico, eles estão cada vez mais presentes na cena fluminense, tanto do lado da polícia, no trabalho de monitoramento e investigação, como dos fora da lei, que os utilizam não só para vigiar agentes como para rastrear inimigos de outras facções e até instalar no artefato granadas prontas para explodir nas bandas dominadas por rivais. Essa guerra aérea escala a cada dia em constância e ousadia. O mais recente capítulo envolve a entrada em cena de um equipamento feito para emitir sinais de radiofrequência que interferem no voo dos pequenos dispositivos, tecnologia da qual as quadrilhas agora se valem para embaralhar as operações policiais, impondo um desafio a mais ao duelo que interessa, aquele que mira a criminalidade.

A polícia descobriu nessas câmeras com hélices de reduzido porte e preciosa discrição uma ferramenta útil em investigações relevantes, substituindo os helicópteros nas incursões aos morros cariocas. Equipados com lentes de visão noturna e sistema de reconhecimento facial, eles fornecem dados em tempo real para as equipes que se infiltram pelo labirinto de vielas. Segundo relatos de policiais a VEJA, os drones foram fundamentais para identificar centros de treinamento de milicianos na Baixada Fluminense e desbaratar esconderijos do tráfico na Rocinha, na Zona Sul carioca. De tão fácil acesso — os modelos mais simples podem ser adquiridos por 2 000 reais na internet —, acabaram sendo também rapidamente incorporados pelos bandidos. Não raro, em prova de ousadia, despacham os exemplares voadores para sobrevoar a Cidade da Polícia, a sede da corporação, na Zona Norte da capital. “O acesso das organizações criminosas a esse recurso faz com que o patamar de risco para as forças de segurança no Rio se eleve em relação ao observado em outras cidades do mundo”, avalia o secretário de Segurança, Victor Santos.

OUSADIA - TH Joias: o ex-deputado teria comprado bloqueadores de sinal
OUSADIA - TH Joias: o ex-deputado teria comprado bloqueadores de sinal (ALERJ/Divulgação)

Não é apenas no Rio que os drones se somaram ao arsenal das gangues, mas também em Minas Gerais e em São Paulo, onde o Primeiro Comando da Capital (PCC) os lança no ar para acompanhar o trajeto de cargas roubadas e garantir que cheguem ao destino, de acordo com as investigações. A diferença em solo fluminense é que eles viraram peça central na permanente disputa das quadrilhas por território, esta uma particularidade local, e apresentam uma variedade incomparável de usos. O sistema penitenciário rastreou pelo menos três casos em que as facções enviaram os aparelhos a presídios de Bangu e Campos, no interior do estado, com remessas de maconha e cocaína a bordo. Dessa vez os agentes da lei levaram a melhor: o delivery acabou sendo interceptado a tempo.

O que mais preocupa hoje, porém, é o perigo embutido na adoção da tecnologia como meio de transporte de explosivos, como ocorre na guerra na Ucrânia, onde a tática tem sido decisiva. “De dois anos para cá, começaram a surgir relatos sobre drones no Rio carregando granadas de mão caseiras”, conta Fabrício Oliveira, delegado da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil. Há poucas semanas, uma equipe da Polícia Militar esteve na mira de um deles — por sorte, ninguém se feriu. A PF interceptou inclusive conversas de Álvaro Malaquias Santa Rosa, conhecido como Peixão, o chefe de uma das grandes facções, o Terceiro Comando Puro (TCP), em que ele externava com todas as letras a intenção de eliminar um rival do Comando Vermelho (CV) em atentado aéreo. Em outro episódio, um cabo da Marinha que trabalhava para o CV foi preso por pilotar os chamados “drones lança-granadas”, atividade em que se especializou. “Imagina o perigo que isso representa para prédios públicos, aeronaves e para a própria polícia”, enfatiza o secretário Victor Santos.

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NO CHÃO - Jammer: fabricado pelo crime, aparelho impede sobrevoos
NO CHÃO - Jammer: fabricado pelo crime, aparelho impede sobrevoos (//Polícia Federal)

Na tentativa de frear o avanço aéreo do crime, o governo do Rio abriu um processo de licitação para comprar oitenta equipamentos capazes de alterar a rota do drone inimigo e até impedir que levante voo. Conhecidos como jammers, devem custar em torno de 27 milhões de reais aos cofres públicos. No Brasil, apenas os órgãos de segurança têm autorização para operar tais sistemas, mas a Polícia Civil já registrou neste ano pelo menos 216 ocorrências envolvendo bloqueadores de sinal nas mãos de bandidos — um deles em junho, na comunidade de Acari, na Zona Norte, dominada pelo TCP. Acomodado em uma maleta, o jammer curiosamente trazia um escudo ucraniano, o que levantou suspeitas de que o aparelho poderia ter vindo do país europeu. Mas as investigações acabaram revelando que a procedência era a cidade de Sorocaba, a pouco mais de uma hora de São Paulo, onde um ex-policial e um técnico em radiofrequência haviam erguido um laboratório clandestino em uma mansão dentro de um condomínio de luxo, desarticulado há quinze dias por agentes cariocas. “Eles compravam as peças da China por 5 000 reais e cobravam até 120 000 pelo equipamento montado”, disse um investigador a VEJA.

Um caso que chamou atenção teve como protagonista o ex-deputado estadual Thiego dos Santos Silva, o TH Joias, que perdeu o mandato e está preso desde o início de setembro sob a acusação de lavagem de dinheiro para o CV. O inquérito mostra que ele adquiriu de um fornecedor chinês uma dezena de equipamentos anti-drones, de um tipo com aspecto de fuzil que dispara os sinais eletrônicos com a mira certa, e repassou esse lote à facção com a qual cooperava, conforme a apuração da PF. São notícias que deixam a segurança pública e outras áreas vitais em alerta máximo. “Esses artefatos podem colocar em risco o tráfego aéreo e prejudicar serviços de telecomunicações nas várias regiões do Brasil”, diz Gesiléa Teles, superintendente de fiscalização da Anatel. Em janeiro, 21 aviões perderam o sinal do GPS nos arredores do aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte, causando apagões durante cinco dias. A razão: a presença de um jammer escondido em uma das favelas da cidade e encontrado com a ajuda da Anatel. O conjunto de ocorrências mostra a desfaçatez dos fora da lei e reforça a urgência de neutralizá-­los, seja por terra, seja por ar.

Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965

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