Ex-ministro da Justiça durante os atos de 8 de janeiro, Flávio Dino deixou explícita em seu voto a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) contra uma eventual anistia destinada aos réus da trama golpista. Ele afirmou que a Constituição proíbe anistia a crimes que envolvam a “ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
“Não é normal que a cada 20 anos nós tenhamos eventos de tentativa ou de ruptura do tecido constitucional”, disse. Dino afirmou que não pretendia mandar “recados” em seu voto, mas destacou que não são as Forças Armadas que estão no banco dos réus. Ele lembrou que o mesmo Supremo que hoje julga Jair Bolsonaro já condenou próceres do PT no escândalo do mensalão e já negou um habeas corpus ao então ex-presidente Lula, que buscava o salvo-conduto para responder às acusações da Operação Lava-Jato em liberdade.
Alvo da ofensiva de Bolsonaro
Dino foi um dos focos da ofensiva de Bolsonaro às vésperas do julgamento. O ex-presidente tentou exibir um vídeo em que o ministro, no passado, criticava as urnas eletrônicas. Também buscou retirar o juiz da análise do seu caso ao afirmar, em uma ação de impedimento, que Dino já o processou no passado e, portanto, não seria imparcial para decidir sua culpa ou inocência na trama golpista. Nenhuma das duas tentativas teve êxito.
O ministro buscou desqualificar a tese de que a eventual ‘tentativa’ de golpe não seria um crime de fato, e sim mera elocubração, o que não é punível por lei. Para ele, porém, crimes de empreendimento, como o caso de golpe e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, estão presentes desde o Código Penal de 1890. Em casos assim, o bem a ser tutelado é tão relevante que os chamados “crimes de risco”, o que significa que o simples risco de determinado ato acontecer já é passível de punição.
Dino citou votos dos diferentes ministros do STF sobre anistia, como que a pavimentar o terreno para que a Corte julgue inconstitucional o projeto que tenta ser viabilizado por bolsonaristas no Congresso.
A avaliação majoritária do STF é a de que, como é o sistema democrático quem eventualmente concede a anulação de crimes a um determinado grupo, se este grupo ataca aquele regime que um dia tentou abolir, não há espaço para indulto, anistia ou graça. Já votaram assim, entre outros, os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Luiz Fux. Um marco importante foi delineado no julgamento do indulto dado pelo ex-presidente Bolsonaro ao então deputado bolsonarista Daniel Silveira, condenado por ataques à Suprema Corte e ameaça aos ministros. Na ocasião, o STF anulou o benefício concedido pelo capitão.