“A ideia é trazer à tona não apenas o conceito de diarreia, mas também as ferramentas que temos hoje para compreender melhor a microbiota intestinal e suas funções”, disse o Dr. Fábio Alves durante sua palestra no 11º Simpósio de Clínica Médica e Nutrologia PremieRvet, realizado em São Paulo (SP), que reuniu mais de 300 profissionais do Brasil e da América Latina, presencialmente e online, em uma programação que combinou ciência, atualização e networking.
Professor orientador do Programa de Pós-Graduação em Clínica Veterinária da USP, coordenador do curso de Pós-Graduação em Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos da ANCLIVEPA-SP e membro de importantes comitês nacionais e internacionais na área de nutrição animal, Dr. Fábio destacou que as enteropatias – manifestações clínicas que afetam o trato gastrointestinal de cães e gatos – têm despertado crescente atenção entre médicos-veterinários devido à sua complexidade e à relação direta com o microbioma intestinal, componente essencial para a saúde sistêmica.
Segundo o especialista, é fundamental diferenciar microbiota e microbioma.
“A microbiota é o conjunto de microrganismos presentes no trato gastrointestinal. Já o microbioma envolve a interação desses microrganismos com o hospedeiro, incluindo expressão gênica e funções metabólicas”, esclarece.
Ele ressalta que, embora pesquisas também explorem microbiomas de pele, trato urinário e respiratório, o foco da clínica veterinária permanece no intestino, devido à sua complexidade e à influência sistêmica sobre a saúde do animal.
Quando o microbioma falha
A alteração funcional do microbioma, chamada disbiose, representa um ponto central no entendimento das enteropatias.
“Muita gente pensa que disbiose é apenas mudança na composição bacteriana, mas é, na verdade, uma alteração na função do microbioma”, explica Dr. Fábio.
Ferramentas como cultura fecal não permitem avaliar corretamente o microbioma, pois identificam apenas micro-organismos presentes nas fezes, sem indicar sua função. Hoje, a principal ferramenta disponível é o índice de disbiose, que permite identificar alterações funcionais significativas e orientar decisões clínicas.
“Esse índice observa, por exemplo, se a produção de ácidos graxos de cadeia curta está adequada e se a conversão de ácidos biliares primários em secundários está ocorrendo corretamente”, detalha o especialista.
Certos micro-organismos, como Peptacetobacter (antigo Clostridium iranônis), desempenham papel exclusivo nessa conversão, enquanto populações de E. coli e Streptococcus, em excesso, podem indicar disbiose.

Enteropatias agudas
A distinção entre enteropatia aguda e crônica é essencial para o raciocínio clínico e nutricional. A diarreia aguda normalmente dura de uma semana a dez dias e pode ter diversas causas, desde mudanças abruptas na alimentação até agentes infecciosos ou alterações intestinais de curto prazo.
Fábio comenta que pequenas variações na dieta já podem provocar alterações fecais em poucos dias.
“É um quadro de duração curta, mas que precisa ser observado com atenção, principalmente para evitar que se torne recorrente ou evolua para um quadro mais complexo”, pontua.
Ele também lembra que diretrizes recentes, como as publicadas pela WSAVA (Associação Mundial de Veterinários de Pequenos Animais), fornecem recomendações atualizadas para prevenção de doenças infecciosas que podem impactar enteropatias, incluindo a vacinação específica para cães e gatos na América do Sul.
Enteropatias crônicas
Quando os sintomas persistem por mais de três a quatro semanas, o quadro é classificado como diarreia crônica, ou enteropatia crônica. Esses casos exigem investigação aprofundada para identificar causas subjacentes, que podem envolver alterações imunológicas, intolerâncias alimentares ou disfunções metabólicas.
“O ponto crítico aqui é avaliar a função do microbioma. Se há disbiose, é fundamental intervir para restabelecer a homeostase intestinal, utilizando estratégias nutricionais, probióticos e ajustes dietéticos específicos”, explica.
Ele destaca que, no contexto clínico, o foco não é apenas identificar micro-organismos, mas compreender se eles estão desempenhando suas funções essenciais.
“Assim como um rim não pode ser substituído pelo fígado, o microbioma tem funções que nenhum outro órgão consegue realizar. Interromper ou restaurar essas funções é crucial no manejo das enteropatias crônicas,” afirma.