O fascínio pelas viagens de trem tem raízes na Europa do século XIX, quando elas deixaram de ser um meio de transporte puro e simples para se tornar uma experiência na qual o que importava não era mais o destino, mas o próprio percurso. O ápice da ideia veio com o Expresso do Oriente, fundado em 1883 por uma companhia belga, que conferiu luxos inéditos ao trajeto entre Paris e Constantinopla (hoje Istambul), onde os passageiros desembarcavam após noites muito bem dormidas em cabines com direito a sala de estar decorada ao estilo dos palacetes franceses. Imortalizado em um dos melhores romances policiais de Agatha Christie, o expresso só no nome, já que o traslado levava sete dias, encerrou as atividades em 1977, como várias outras linhas, gradativamente varridas do mapa após a disseminação dos voos comerciais.
Pois agora, numa dessas reviravoltas da era moderna, os elegantes trens estão voltando com tudo aos trilhos — inclusive o Expresso do Oriente, cujos vagões originais passam por restauração para retornar à ativa em 2026. O fenômeno, que tem a ver com a necessidade humana de desacelerar em tempos tão frenéticos e usufruir de momentos únicos, se percebe em todo o continente europeu. Cenários de tirar o fôlego podem ser admirados em comboios que conduzem a pitorescas vilas italianas, atravessam a vastidão das highlands escocesas e percorrem a irretocável paisagem suíça, como as descortinadas a bordo do Glacier Express — este um dos mais luxuosos nos rankings voltados para o nicho do turismo de contemplação, no qual o viajante permanece durante as quase nove horas que separam as cidades alpinas de Saint Moritz e Zermatt, na Suíça, sem se preocupar em chegar. “Me sinto em uma viagem nostálgica em que não há outra preocupação além de olhar a natureza”, dizia o representante de vendas carioca Aldecy Machado, 60 anos, ao lado da mulher, a bancária Andrea Vieira, 58, enquanto clicava o belo relevo em meio a uma recente jornada.
Essa travessia pela Suíça, feita pela reportagem de VEJA em um típico dia de outono, não ultrapassa a velocidade de 35 quilômetros por hora — ritmo de tartaruga se comparado ao de trens de alta performance, que alcançam até 500 quilômetros por hora. O objetivo é justamente não perder nenhum detalhe do que se apresenta sob todos os ângulos através do vidro que reveste o vagão. Só de pontes sobre lagos límpidos foram contabilizadas 291. Na excellence class, a primeiríssima classe, um concierge fica de prontidão e é servido um menu harmonizado de cinco etapas, em que não faltam queijos (suíços, claro). Tanto mimo tem seu preço: em torno de 3 000 reais a jornada, que termina em Zermatt, local de alta concentração de gente jovem, hotéis cinco estrelas e pistas de esqui, tudo aos pés de uma das mais fotografadas montanhas do mundo, a Matterhorn, conhecida pela forma piramidal que estampa uma famosa marca de chocolate.

A Suíça possui mais de 5 000 quilômetros de linhas ferroviárias — praticamente o dobro, por exemplo, da malha da Escócia, também afeita aos vagões, que tem território duas vezes maior. Como em outros cantos da Europa, os trilhos ditam um modo de vida. “O trem ajudou a moldar nosso desenvolvimento industrial, social e cultural. Faz parte de nosso DNA”, explica Sara Roloff, à frente da Swiss Travel System, que unifica o transporte público da pequena e próspera nação onde se ouve alemão, francês e italiano, a depender da região. Com um pendor para o planejamento, os suíços também entenderam que os comboios poderiam ser um caminho para ter algum controle sobre o fluxo de visitantes, organizando uma grade de horários que obedece aos pontualíssimos ponteiros locais e estrategicamente mantendo uma parte dos forasteiros a bordo. “A Suíça não foi feita para grandes volumes de turistas ao mesmo tempo em um único lugar, dadas as nossas proporções”, observa Martin Nydegger, CEO da Switzerland Tourism, empresa federal dedicada a promover o país.
Ao contrário de vários vizinhos, como espanhóis, italianos e franceses, fartos das multidões de estrangeiros, a ponto de irem às ruas protestar contra os excessos do overtourism, os suíços estão satisfeitos com o movimento, que bateu recorde em 2024, com o registro de mais de 42 milhões de pernoites em hotéis. De acordo com uma recente pesquisa, 95% se sentem confortáveis no convívio com os que vêm de fora e 78% se orgulham da popularidade do país. A bordo do Glacier Express, o funcionário público Dilson Queiroz, 65 anos, e a aposentada Angela Lacerda, 62, de Recife, contemplavam o amplo espelho d’água do lago de Saint Moritz e refletiam sobre o prazer desse tipo de viagem. “Bem que o Brasil poderia reativar suas linhas de trem. Lindas paisagens não nos faltam”, lembrou Angela. Fica a ideia.
Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965