Dan Brown: “Pensei em desistir”

Quando Dan Brown lançou O Código Da Vinci, em 2003, tinha um único pensamento: se o livro não caísse no gosto dos leitores, procuraria outra profissão. A mudança de rumo, claro, não aconteceu. Protagonizado pelo herói Robert Langdon, o thriller que une Leonardo da Vinci e segredos do cristianismo virou best-seller instantâneo, irritou o Vaticano e fez de Brown um dos maiores autores das últimas décadas. Aos 61 anos, o americano já vendeu 250 milhões de livros, e filmes baseados em suas obras renderam mais de 1,4 bilhão de dólares em bilheteria. No recém-­lançado O Segredo Final (Arqueiro) — que já domina as listas de mais vendidos e tem adaptação em andamento na Netflix —, ele mescla ciência e misticismo para explorar a hipótese de que a mente poderia interferir no mundo físico. A seguir, Brown fala sobre sua trajetória e de temas caros à sua obra, como religião, inteligência artificial e teorias conspiratórias.

O Segredo Final levou oito anos para ser escrito. O que explica a demora? Eu trabalhei muito, mas o livro demorou porque era difícil de escrever. Esse livro é sobre o que chamamos de noética, o estudo da consciência, mais especificamente sobre a possibilidade de a mente humana afetar o mundo físico e a ideia de que os pensamentos podem alterar a matéria. É um tema fascinante, mas abstrato e difícil de ser encaixado em um thriller dinâmico.

O senhor perdeu sua mãe há alguns anos, e o enredo do novo livro abre discussões sobre a vida após a morte. Em que medida a história é pessoal? É bastante pessoal. Se me perguntassem há oito anos se eu acreditava em vida após a morte, eu com certeza diria que não. Agora, saí das minhas pesquisas e conversas com cientistas achando que talvez haja algo que transcenda o que sabemos.

Muitos de seus livros abordam questões religiosas e científicas. Por que esses temas o atraem? Meu pai era matemático, e minha mãe foi uma pessoa religiosa, diretora do coral da igreja. Cresci num mundo que era tão religioso quanto científico, e estava tudo bem que fosse assim. Minha mãe dizia que ciência e religião são duas línguas diferentes tentando contar a mesma história. Essa é a forma como sempre vi as coisas, e os livros que escrevo são uma maneira de responder às minhas próprias perguntas.

E quais são essas perguntas? Coisas como a possibilidade de ciência e religião viverem em comunhão, terem alguma base em comum. O que descobri é que, quanto mais fundo você vai em temas como matemática e física, mais eles começam a soar como algo religioso. As discussões sobre a física quântica às vezes parecem um pouco espirituais. Isso sempre me fascinou.

O senhor provocou controvérsias ao falar de religião em O Código Da Vinci — até o Vaticano considerou o livro ofensivo. Isso o incomoda? Nunca achei que O Código Da Vinci fosse controverso. Meu livro fez as pessoas se perguntarem por que acreditam no que acreditam. Os leitores debateram com pessoas que concordavam e discordavam do livro, e isso levou muitos a refletirem sobre as próprias crenças.

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“Nunca achei que O Código da Vinci fosse controverso. Meu livro fez as pessoas se perguntarem por que acreditam no que acreditam. Levou muitos a refletirem sobre suas crenças”

E no que o senhor acredita após tanto tempo explorando religião e ciência? Eu me considero muito mais espiritualizado que religioso. A religião tem um papel positivo no mundo: é uma estrutura moral, fonte de conforto para muitas pessoas e uma forma de comunhão em relação a coisas que não entendemos. O problema com a religião é quando as pessoas interpretam metáforas de maneira literal.

Como assim? A história de Adão e Eva, por exemplo, é uma metáfora. Algumas pessoas entendem isso, e tiram lições da história. Mas outras afirmam que eles literalmente vieram de uma única matéria e dali surgiu toda a espécie humana. Isso não funciona cientificamente, e faz parte dos fiéis afirmarem que a evolução não existiu. É aí que ciência e religião começam a bater cabeça.

Falando em religião, temos hoje um papa americano, Leão XIV, algo que parece saído de suas histórias. Pensou sobre isso? Sim, eu pensei. Mas o Vaticano está envolvido em dois dos meus livros, e não tenho certeza se quero voltar a escrever sobre esse tema de novo. Mas seria uma ideia interessante de explorar.

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Há uma série de teorias conspiratórias sobre supostas razões obscuras por trás da escolha de Leão XIV. O que as embala? O processo de escolha de um papa é tão arcaico e estranho para nós que isso é meio inevitável. As pessoas gostam de inventar histórias e imaginar como aconteceu. Eu não sei por que ele foi eleito, mas os cardeais, aparentemente, acharam que ele era a melhor pessoa para o cargo. E eu duvido que haja algo mais misterioso por trás disso.

Desde o sucesso de O Código Da Vinci, aliás, as teorias conspiratórias invadiram da vida social à política. O que fomenta isso? A mente humana rejeita o caos. Não gostamos de pensar que a vida é aleatória, preferimos imaginar que há alguém no controle de tudo. Quando era criança, perdi um amigo de leucemia e o padre disse que a morte dele estava nos planos de Deus. Lembro de pensar que não gostava dos planos de Deus, mas me senti melhor ao ouvir que aquilo era parte de algo maior. A atração pelas teorias da conspiração vem dessa ideia.

Não há como mudar isso? Quando vemos certas coisas acontecendo no mundo, é mais fácil acreditar que há alguém fazendo tudo aquilo de modo intencional, mesmo que a gente não goste do resultado. É mais cômodo do que aceitar que o mundo é um caos aleatório. A conspiração e a religião têm isso em comum: a ideia de que a mente humana se sente melhor com alguém no comando.

Por falar em ter alguém no controle, suas histórias sempre alertam para o perigo da influência de poderosos no mundo — e hoje, com Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos, essa questão ganhou novos contornos. Está difícil para os escritores competir com a realidade? É uma pergunta interessante. Sempre tivemos momentos estranhos no mundo, e creio que estamos vivendo mais um deles agora. De certa forma, o noticiário parece quase ficção. Mas essa é a natureza da história. O pêndulo vai e volta, e bons escritores conseguem usar o que quer que esteja acontecendo no momento para criar boas histórias.

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Do alto de seus 250 milhões de livros vendidos, acredita em uma fórmula para o sucesso? Eu queria que houvesse, porque aí eu não teria levado oito anos para escrever meu novo livro. Mas há coisas que estão sempre presentes nas minhas histórias: elas precisam passar conhecimento e ter algum grande tema em sua essência, como inteligência artificial, superpopulação ou consciência humana. Tento dar aos leitores o que eles almejam de uma maneira nova e empolgante.

Antes de O Código Da Vinci explodir, seus primeiros livros venderam pouco. Pensou em abandonar a escrita? Pensei, sim. Eu sempre tive orgulho dos meus três primeiros livros, mas eles não vendiam. Quando terminei de escrever O Código Da Vinci, lembro de pensar que, se aquele livro não funcionasse, talvez eu devesse fazer outra coisa. Eu precisava pagar minhas refeições para viver e é complicado se dedicar a um livro por anos e perceber que ninguém está disposto a ler a sua história. Mas foi um sucesso, e minhas outras obras também viraram best-sellers sem eu mudar nenhuma palavra. Percebi que há muita sorte envolvida na indústria editorial e na criação de um sucesso.

“A mente humana rejeita o caos. Não gostamos de pensar que a vida é aleatória, preferimos achar que há alguém no controle. A atração pelas teorias conspiratórias vem dessa ideia”

Já sentiu, por sinal, a pressão do sucesso? Com certeza. Depois que O Código Da Vinci explodiu, fiquei cerca de um mês travado, porque eu estava ciente de quantas pessoas leriam meu próximo livro. Eu nunca tinha ficado nervoso antes, mas havia muita expectativa por parte dos leitores. Percebi que, àquela altura, todos os meus livros eram best-sellers porque as pessoas gostavam das histórias. Então, tudo o que eu precisava fazer era seguir escrevendo.

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Apesar do êxito junto ao público, o senhor sempre recebeu críticas duras. Como lida com isso? Eu escrevo o livro que gostaria de ler e espero que as pessoas compartilhem do meu gosto. Adoraria que todo mundo amasse o que eu escrevo, mas essa não é a natureza do sucesso. Embora fique triste com as críticas, não é algo que me impede de seguir adiante.

Em Origem, de 2017, o fio condutor é a inteligência artificial, que avançou rapidamente de lá para cá. Como vê os dilemas dessa tecnologia? A espécie humana nunca criou nenhuma tecnologia que não tenha sido transformada em arma. O fogo, a roda, o computador. Nós encontramos formas de usar tudo isso para propósitos malignos. É ingenuidade achar que seria diferente com a IA. Mas, no geral, as novas tecnologias acabam trazendo muito mais benefícios que perigos.

É esse o destino da IA? Acredito que sim. A mente humana tende a pensar nos aspectos ruins automaticamente, e há razões evolutivas para isso. Mas as tecnologias são usadas primordialmente para o bem. Há mais bondade que maldade no mundo, e muito mais poder criativo que destrutivo.

A teoria de que a IA um dia pode substituir até os escritores tira seu sono? Por enquanto, não. Talvez seja um problema no futuro. Por ora, não acho que a inteligência artificial esteja preparada para escrever histórias de ficção que façam sentido. Mas é difícil dizer. Em três ou quatro anos, sabe-se lá o que a IA será capaz de fazer.

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As redes sociais têm culpa na queda da leitura entre os jovens? Sim, com certeza. Nesse universo das redes, tudo acontece muito rápido. As crianças e os jovens que cresceram imersos nessa lógica não têm atenção suficiente para focar na leitura. Precisam que algo novo aconteça a cada cinco segundos. É um grande desafio.

E a ficção vai sobreviver a esse desafio? Sem dúvida. Contar histórias é a forma mais antiga de arte que existe. O ser humano costumava se sentar ao redor de fogueiras e narrar como foi a caçada do dia. E muitas das coisas que competem com os livros são outras formas de ficção. Os filmes, por exemplo, têm um formato audiovisual, mas narram histórias fictícias, muitas delas baseadas em livros.

Alguma chance de visitar um dia o Brasil, um dos países que mais cultuam seus livros? Acho um crime eu não ter ido ainda. Quem sabe em breve. Sou muito grato aos meus fãs brasileiros. Eles sempre representaram muito para mim, e o Brasil tem muito a oferecer. Acho até que poderia ser um ótimo lugar para uma próxima história de Robert Langdon.

Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2025, edição nº 2967

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