Quem vive a situação de ter familiares ou amigos com doenças limitadoras da vida ou quem já os perdeu e experimenta o luto, entende a necessidade de melhorar as condições de cuidado digno e respeitoso às pessoas que estão com doenças sem possibilidade de cura e em cuidados de fim de vida.
Um estudo internacional, publicadopelo The Journal of Pain and Symptom Management, avaliou a qualidade dos cuidados oferecidos no fim da vida em diversos países. Foram considerados indicadores como expectativa de vida média, investimentos em saúde, controle da dor nos hospitais, oferta de suporte psicológico e incentivo ao contato do paciente com familiares e amigos.
Os resultados colocaram o Brasil na 79ª posição dentre 81 nações avaliadas, numa classificação pior do que diversos outros países latino-americanos, revelando um baixo índice de qualidade de morte. Ao analisar a posição do nosso país nos rankings internacionais de qualidade de morte, é preciso considerar que temos dimensões continentais e enfrentamos enormes desigualdades regionais no acesso a serviços de qualidade voltados às pessoas com necessidades paliativas.
Diante disso, é urgente que se invista na implementação e ampliação desse tipo de programa. Contudo, o investimento financeiro não garante efetividade e há fatores como a criação de políticas públicas, a formação de profissionais de saúde, o compromisso ético com o cuidado integral e a integração aos sistemas nacionais de saúde, que são igualmente determinantes para a excelência nessas circunstâncias.
O assunto vem ganhando notoriedade e, ao contrário do que se entendia até recentemente, as práticas multidisciplinares celebram a vida ao mesmo tempo em que reconhece a inevitabilidade da morte ao oferecer às pessoas com doenças avançadas a oportunidade de viver seus últimos dias com dignidade, possibilitando a tomada de decisões informadas sobre seus cuidados, respeitando suas preferências e assegurando sua autonomia.
Todo esse ambiente requer uma equipe interprofissional equilibrada e respeitosa sobre as formas de cuidado, valores, crenças e espiritualidade, destacando as contribuições de terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, nutricionistas, odontólogos, psicólogos e capelães como membros das equipes de cuidados paliativos e de reabilitação paliativa.
Sabendo-se que as tarefas vão muito além do controle dos sintomas físicos e reconhecendo a importância do cuidado integral, as atividades tornam-se realmente efetivas e a pessoa adoecida se sente integrada ao processo, com suas necessidades e limitações respeitadas. Isso favorece a autonomia na tomada de decisões, fortalece a comunicação com a equipe de saúde e contribui significativamente para a preservação da qualidade de vida, dentro de suas possibilidades reais.
Em se tratando de reabilitação paliativa, etapa que promove funcionalidade, autonomia e qualidade de vida, a proposta é de ação interprofissional para propiciar o autogerenciamento e autocuidado ao modelo holístico de cuidado paliativo, e na qual a equipe trabalha em colaboração com o paciente, seus familiares e cuidadores para ajudá-los a atingir suas metas e prioridades pessoais.
É uma abordagem que capacita as pessoas a se adaptarem ao seu novo estado e fornece um sistema de apoio ativo para lidar de forma construtiva com as perdas resultantes da deterioração da saúde. Assim, cuidar de quem está morrendo é tão necessário quanto cuidar do bebê que está nascendo. Só que as pessoas só dão valor a isso quando vivem essa experiência de ter um familiar com uma doença grave (como o câncer) e quando acompanham alguém que está morrendo.
No panorama nacional, apesar de décadas de mobilização por parte de profissionais, acadêmicos e da sociedade civil, apenas em 22 de maio de 2024, foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria GM/MS nº 3.681, de 7 de maio de 2024, que institui oficialmente a Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP).
Essa política representa um marco histórico no reconhecimento do cuidado paliativo como parte essencial do sistema público de saúde, mas é apenas o início. A medida traz a expectativa de mudanças estruturantes, com previsão de financiamento adequado, formação de equipes especializadas e envolvimento das comunidades. Contudo, a efetiva implementação da PNCP depende de vontade política, priorização orçamentária, capacitação profissional e, sobretudo, de uma mudança de mentalidade.
Marysia Prado De Carlo é professora do curso de Terapia Ocupacional do Departamento de Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e Mariana Lopes Borges, pós-doutoranda pelo programa Interunidades da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP (EERP-USP). Ambas são autoras do livro Reabilitação Paliativa (Summus Editorial)