Pesquisa mapeia os impactos dos desastres naturais sobre o trabalho infantil e os resultados educacionais no Brasil
Os efeitos dos desastres naturais em diferentes dimensões críticas foram analisados em trabalho realizado por aluna de doutorado da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP/Esalq). Além de causarem perdas humanas e materiais, esses desastres afetam significativamente a trajetória de desenvolvimento econômico e social das populações atingidas.
No contexto brasileiro, esses acontecimentos tornaram-se cada vez mais frequentes e intensos, com implicações diretas para o bem-estar da população, especialmente de crianças e adolescentes, que estão entre os grupos mais vulneráveis. A tese apresentada por Priscila Soares dos Santos, foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Economia Aplicada, sob orientação da Professora Ana Lucia Kassouf, e investigou duas dimensões críticas da infância e adolescência: o trabalho infantil e o desempenho educacional.
A pesquisa partiu de microdados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) e do Sistema de Avaliação de Educação Básica (Saeb), reunindo dois artigos empíricos que aplicam metodologias e níveis de análise. O primeiro estimou os impactos dos desastres hidrológicos nos resultados educacionais de estudantes do 5º e 9º anos do ensino fundamental entre 2013 e 2017.
Nesse ponto o estudo se deparou com perdas significativas de aprendizagem em Língua Portuguesa e Matemática após a exposição aos desastres, com efeitos mais pronunciados nas regiões Sul e Sudeste. Explorou, ainda, efeitos heterogêneos por gênero e raça, mostrando que meninos e estudantes brancos apresentam maiores perdas absolutas, embora as desigualdades de desempenho entre grupos sociais permaneceram estáveis.
O segundo artigo estimou os impactos dos desastres naturais sobre a prevalência do trabalho infantil no Brasil entre 2013 e 2019. Utilizando modelos de efeitos fixos em painel e estratégias quase-experimentais, o estudo encontrou evidências de que a ocorrência de desastres está associada ao aumento do trabalho infantil, particularmente em municípios com menor infraestrutura socioeconômica. Isso sugere uma resposta adaptativa das famílias diante da perda de renda ou destruição de ativos.
Em conjunto, os artigos mencionados contribuem para a compreensão de como os desastres naturais se entrecruzam com vulnerabilidades estruturais para moldar o bem-estar infantil. Também dialogam com debates mais amplos sobre justiça climática, mobilidade intergeracional e proteção social em sociedades desiguais. “Ao focar no Brasil, um país de renda média com fortes disparidades regionais e riscos climáticos crescentes, esta pesquisa lança luz sobre desafios urgentes de política pública na interseção entre mudança ambiental e desigualdade social”, comentou a pesquisadora.
Por fim, os achados da tese reforçam a necessidade de sistemas educacionais mais resilientes e políticas específicas de proteção à infância, capazes de mitigar os efeitos de longo prazo dos desastres.
“Ressaltamos, ainda, a importância de desenhar redes de proteção social sensíveis às vulnerabilidades múltiplas enfrentadas pelas crianças após choques climáticos. Ao documentar esses impactos com evidências empíricas robustas, esta pesquisa buscou informar tanto o debate acadêmico quanto as respostas de políticas públicas voltadas à proteção dos direitos e das trajetórias de desenvolvimento de crianças no Sul Global”, detalhou a autora do trabalho.
Com os resultados, a pesquisadora reforça a necessidade de políticas de mitigação e recuperação que vão além das respostas emergenciais. “Estratégias de médio e longo prazo, como programas de educação compensatória, suporte psicossocial contínuo e investimentos em infraestrutura resiliente, são essenciais para lidar com perdas de aprendizagem e prevenir a ampliação das desigualdades educacionais. Além disso, tais políticas devem ser sensíveis às disparidades de raça e gênero, garantindo respostas equitativas e eficazes”, afirmou Priscila.
O trabalho também contribui para a literatura como um dos primeiros a estimar efeitos heterogêneos de desastres naturais sobre a educação no Brasil usando dados individuais. “Pesquisas futuras podem aprofundar a compreensão dos mecanismos subjacentes a esses efeitos, como interrupções escolares, reorganização familiar e pressões econômicas sobre os estudantes após eventos extremos”, destacou a pesquisadora.
Priscila explica que, acompanhando as trajetórias dos estudantes nos anos seguintes a um desastre, seria possível compreender não apenas os impactos imediatos, mas também a capacidade de recuperação e as desigualdades nos caminhos para superar esses efeitos. “Além disso, pode-se investigar quais estudantes têm maior probabilidade de se recuperar de choques educacionais e quais fatores estão associados a essa resiliência”, finalizou.
Texto: Alicia Nascimento Aguiar | MTB 32531 | 19.08.2025
Crédito foto: Anna Pizzo