Como um caso de sequestro e morte mudou a política italiana nos anos 1970

Na manhã de 16 de março de 1978, Aldo Moro, presidente da Democracia Cristã, então partido hegemônico na Itália, saiu de sua villa, em Roma, em direção ao Parlamento. Antes de chegar ao destino, no entanto, o carro oficial no qual o líder político viajava foi interceptado pelas Brigadas Vermelhas. Moro foi sequestrado pelo grupo de esquerda radical e levado para o que os guerrilheiros chamavam de “prisão do povo”. O deputado e ex-primeiro-ministro italiano passou 55 dias no cativeiro. Apesar de todos os seus apelos, registrados em cartas a personagens proeminentes do seu partido e do governo, ele não foi resgatado e acabou sendo assassinado.

O episódio foi o apogeu dos Anos de Chumbo, período histórico italiano marcado por intensa violência política e pelo terrorismo. O livro O Caso Moro, que a Manjuba, selo da editora Mundaréu, lançou recentemente no Brasil, não só relata o que aconteceu, como analisa o contexto político da provação pela qual passou o líder da DC. O autor, Leonardo Sciascia, um dos grandes nomes da literatura italiana, que assinou títulos como O Dia da Coruja e A Cada um o Seu, era deputado do Partido Radical na época. O parlamentar siciliano também escreveu o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o ocorrido – o texto integra o volume em um apêndice.

O CASO MORO - De Leonardo Sciascia; Editora Vestígio; Tradução de Federico Carotti; 168 páginas; 72,00 reais
O CASO MORO – De Leonardo Sciascia; Editora Vestígio; Tradução de Federico Carotti; 168 páginas; 72,00 reais e 51 reais (e-book) (Editora Vestígio/Divulgação)

Na origem de tudo está o “Compromisso Histórico”, como ficou conhecido o acordo firmado entre a DC de Moro e do então primeiro-ministro Giulio Andreotti, e a esquerda tradicional italiana, representada pelo Partido Comunista Italiano (PCI) de Enrico Berlinguer. Era uma via de mão dupla, pela qual o governo de Andreotti ganhava um pouco mais de estabilidade e os comunistas liderados por Berlinguer furavam a resistência ancestral contra a esquerda e ganhavam um pouco de protagonismo em um cenário político dividido.

Acontece que as Brigadas Vermelhas não concordavam com o que chamavam de “coexistência aconchegante” entre o PCI e a República dominada pela DC. Por isso, sequestraram Moro antes que ele pudesse chegar ao Parlamento para selar o tal compromisso com um voto de confiança que manteria, com o apoio dos comunistas, o governo de Andreotti. Ao longo dos quase dois meses de cativeiro, o líder dos “democristiani” escreveu várias cartas aos líderes do partido e do governo, em especial o primeiro-ministro, o secretário-geral Benigno Zaccagnini e o então ministro do interior Francesco Cossiga. Foi solenemente ignorado.

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ITALY - FEBRUARY 01: Aldo Moro, prisoner of the Red Brigades in Italy in February, 1979. (Photo by Francois LOCHON/Gamma-Rapho via Getty Images)
CATIVEIRO – Aldo Moro sob a bandeira das Brigadas Vermelhas: preso por 55 dias – (Francois LOCHON/Gamma-Rapho/Getty Images)

O ocorrido acabou por fortalecer o governo italiano de centro-direita. Sob a tese da linha dura, a cúpula da DC, incluindo Zaccagni, um aliado de Moro, se recusou a negociar com os terroristas. Sciascia sustentou que ele estava no auge de suas faculdades mentais, contrariando a visão de que estaria sofrendo de “lavagem cerebral” ou que seus escritos fossem inautênticos. O autor até sugeriu que estava inserindo pistas nas suas cartas, como a menção de estar em “plena saúde” para indicar que se encontrava em Roma, próximo a um hospital, e que em determinado momento estava conduzindo a negociação para a sua libertação.

Todos os esforços de Moro, e de sua família para ser resgatado não deram em nada. No dia 9 de maio daquele mesmo ano, por volta do meio-dia, o corpo, crivado de balas, foi encontrado no porta-malas de um Renault 4 vermelho. O veículo estava abandonado na via Michelangelo Caetani, em Roma, a meio caminho entre as sedes da DC e do PCI. Isso foi interpretado como uma simbolização do fim do “compromisso histórico” que Moro defendia, a aliança entre os dois partidos. De acordo com um comunicado das Brigadas Vermelhas, a execução ocorreu após um “julgamento popular” sumário. O resto é história.

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The Sicilian writer Leonardo Sciascia. June 01, 1978. (Photo by Edoardo Fornaciari/Getty Images)
CALOR DA HORA – Leonardo Sciascia: o autor e parlamentar italiano escreveu um relatório sobre o caso – (Edoardo Fornaciari/Getty Images)
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