Uma taxa Selic tão alta quanto a que o Brasil ostenta atualmente gera uma longa lista de efeitos nocivos para a economia e apenas um benefício imediato: a possibilidade de lucrar com aplicações atreladas aos juros. Embora o país seja conhecido como o reduto da renda fixa, raras vezes ela foi tão rentável quanto agora. “Juros altos são ruins para quem paga, mas ótimos para quem recebe, e este é sem dúvida um momento histórico para investir”, afirma George Sales, professor da escola de negócios Fipecafi. Essa percepção se sustenta não apenas no fato de a Selic, referência de todas as taxas cobradas no país, ter voltado ao maior nível em duas décadas, mas também na expectativa de que esse ciclo esteja no fim — de acordo com sinalizações do próprio Banco Central, o próximo movimento deve ser de queda. Para o investidor, a mensagem não poderia ser mais clara: quem ainda não aproveitou as aplicações atreladas à taxa Selic pode estar perdendo as últimas chances de comprar títulos com as maiores remunerações em muitos anos.
Analistas consultados pelo Banco Central no mais recente Boletim Focus projetam que a inflação de 2025 ficará em 4,85%, ante 5,07% há um mês — foi a 14ª semana consecutiva de queda nas estimativas. Para 2026, a projeção também recuou, de 4,43% para 4,31%. Com a inflação em desaceleração e a atividade econômica mostrando sinais de arrefecimento, a discussão no mercado já não é mais se, mas quando o BC começará a reduzir os juros. A expectativa ganhou força desde o fim de julho, quando a autoridade monetária, sob o comando de Gabriel Galípolo, decidiu estacionar a Selic em 15% após dez meses consecutivos de alta, um salto expressivo em relação aos 10,5% registrados apenas um ano antes. As projeções atuais indicam que a taxa deve cair para perto de 12,5% no fim de 2026 e se aproximar de 10% no ano seguinte.
Diante desse cenário, especialistas recomendam cautela, mas mantendo sempre o olho atento na renda fixa. “O investidor precisa ter um pouco de tudo na carteira”, afirma Rafael Haddad, planejador financeiro do C6 Bank. “Mas a Selic vai continuar alta por bastante tempo, o que significa que qualquer outro investimento precisa render mais de 15%, ou próximo disso, para compensar.” Segundo simulações do banco, com os juros atuais, o dinheiro pode se valorizar em mais de 80% em cinco anos, já descontados os impostos. Sob qualquer ângulo que se olhe, significa um retorno bastante significativo.
Na indústria financeira, é comum que papéis de prazo mais longo ofereçam taxas ligeiramente abaixo da Selic, refletindo a expectativa de que, até o vencimento, os juros já terão recuado. Essa perspectiva tem influenciado as recomendações de especialistas. Uma das mudanças é o aumento da procura por títulos prefixados, que permitem “travar” a taxa atual até o fim do contrato. Dessa forma, mesmo com a Selic em queda, o investidor garante um rendimento mais alto. “Mas há riscos que não devem ser desconsiderados”, adverte Marcelo Guterman, especialista de investimentos da gestora Western. “Embora seja o menos provável, os juros podem acabar não caindo por uma série de fatores.” Nesse caso, a vantagem dos prefixados desaparece e pode até resultar em perdas para quem precise resgatar antes do prazo. Entre os fatores de risco em um país de fortes turbulências políticas e econômicas como o Brasil estão o histórico inflacionário, o desequilíbrio fiscal persistente e as novas pressões do dólar. Por isso, analistas do mercado financeiro recomendam cuidado: prefixados apenas em pequenas doses e com prazos curtos, de no máximo dois anos.
Juros em níveis altos também abrem uma janela rara para planos de longo prazo, como a aposentadoria ou a faculdade dos filhos. Nesse horizonte, a aposta quase unânime dos gestores e analistas do mercado recai sobre os títulos públicos atrelados à inflação, o Tesouro IPCA+. Ele oferece prazos que ultrapassam três décadas e hoje assegura um retorno real de 7% ao ano. “É um papel que protege o investidor contra a alta dos preços e ainda entrega ganhos em níveis históricos”, afirma Antônio Sanches, analista de alocação da corretora Rico. No fim das contas, a Selic elevada representa um desafio para a economia, mas também uma oportunidade rara para os investidores.
Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2025, edição nº 2960