China se expande no mercado de vinhos e surpreende pela qualidade

No mundo do vinho, como manda a tradição, alguns países são imediatamente associados à produção de rótulos premiados. Na Europa, despontam França, Itália, Espanha, Portugal e Alemanha. Nas Américas, Estados Unidos, Chile, Argentina e, mais recentemente, Uruguai e mesmo o Brasil, que cresce e aparece. África do Sul, Austrália e Nova Zelândia também fazem parte do seleto grupo. A novidade: celebre-se a China, que tem — como em quase todas as áreas — surpreendido críticos, sommeliers e entusiastas pelas safras que colhe.

A cultura de usar uvas em bebidas alcoólicas é antiga entre os chineses. Arqueólogos descobriram vestígios da fruta em recipientes datados de cerca de 7000 a.C. A primeira vinícola moderna, a Changyu, foi fundada em 1892 em Shandong, que mais tarde se tornaria a principal região produtora da China em volume. A Changyu continua na ativa e hoje é a maior e mais antiga ainda em operação. Desde então, a quantidade de vinícolas aumentou exponencialmente. Por um tempo, os chineses priorizaram o volume, mas na última década a produção caiu, dando lugar ao zelo pela qualidade. No ano passado, o país produziu 2,6 milhões de hectolitros. Para efeito de comparação, o Brasil fez 2,1 milhões de hectolitros no mesmo período, enquanto a Itália, maior produtor global, engarrafou 44,1 milhões.

O consumo interno é imenso, por óbvio — construído com perseverança, antes importando conhecimento e qualidade para então mimetizar a produção. Há pouco mais de dez anos, a China começou a comprar rótulos extremamente cobiçados, especialmente da região de Bordeaux, na França. O documentário Obsessão Vermelha, lançado em 2013, revela o cenário de especulação que se criou em torno da sede dos chineses pelas grifes bordalesas. Alguns empresários chegaram a investir na compra de châteaux franceses, decididos a produzir no melhor terroir possível. Hoje, a China é o décimo maior consumidor de vinho, embora o consumo per capita seja pequeno, de apenas 0,5 litro por ano. No Brasil, a média é de cerca de 2 litros per capita, enquanto em Portugal chega a 61,7 litros.

PREMIADOS - Produtos das vinícolas Silver Heights e Ao Yun: aplaudidos por especialistas da Europa e dos EUA
PREMIADOS - Produtos das vinícolas Silver Heights e Ao Yun: aplaudidos por especialistas da Europa e dos EUA (./.)

Chama atenção, mais do que a estatística de volume, insista-se, a qualidade. Em 2007, os vinhos produzidos na China levaram apenas três medalhas no reputado Decanter World Wine Awards (DWWA). Neste ano, conquistaram 181 medalhas no torneio. A veloz evolução bebe, por assim dizer, de outros movimentos semelhantes. Os carros chineses eram risíveis e não são mais, longe disso. Os smartphones eram cópias baratas e problemáticas, em página virada. O mecanismo de progresso é equivalente: absorve-se o know-how, contrata-se mão de obra estrangeira e pronto, está montado o palco de natural avanço.

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Os melhores rótulos chineses da atualidade são feitos em Ningxia, região perto do Deserto de Gobi, no noroeste do país. O terreno ajuda a explicar a qualidade da bebida. A capital, Yinchuan, fica na mesma latitude que o Vale de Napa, na Califórnia, zona onde são feitos os melhores vinhos dos Estados Unidos. O solo pedregoso, de boa drenagem, permite que as videiras desenvolvam raízes profundas, e as mais de 3 000 horas de sol por ano garantem a maturação ideal. Ao identificar o potencial da região, o próprio governo chinês criou um ambicioso plano que fomentou a produção local e trouxe investimentos estrangeiros. O conglomerado de luxo francês LVMH, por exemplo, estabeleceu uma vinícola da Chandon no local e criou outra, Ao Yun, especializada em vinhos ditos “tranquilos”, ou seja, sem borbulhas.

A principal inspiração dos enólogos é, e por muito tempo permanecerá sendo, a região de Bordeaux, dada a força mítica do nome, atrelado à satisfação ao paladar. Portanto, os vinhedos chineses são dominados por variedades tradicionais bordalesas, como cabernet sauvignon, merlot e cabernet franc. Desde os anos 1990, e agora em ritmo frenético, grupos de orientais viajam para a França a fim de aprender com os melhores professores.

Apesar das medalhas colecionadas e dos elogios de alguns dos principais críticos da atualidade, contudo, os vinhos chineses ainda enfrentam preconceito — e não há mágica que faça sumi-lo da noite para o dia. Há ainda outros obstáculos. O consumo interno ainda é proporcionalmente muito pequeno, já que a maior parte da população prefere cerveja e baijiu, licor geralmente destilado a partir de sorgo fermentado. Exportar para outros países é um desafio. A Europa está saturada de rótulos autóctones. As tarifas impostas por Donald Trump tornam os Estados Unidos pouco atrativos e os custos de transporte dificultam os planos de enviar para outros mercados mais distantes, como o Brasil. Por aqui não há garrafas chinesas disponíveis para o enófilo curioso. O preço é outro impedimento. As melhores garrafas de vinícolas como Ao Yun e Silver Heights, ambas localizadas em Ning­xia, custam até 350 dólares, valores semelhantes aos cobrados por vinhos Grand Cru de Bordeaux. O difícil é convencer o consumidor a trocar as vinhas da França pelas da China. Mas esse dia pode chegar, sim.

Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965

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