Campo promissor: as oportunidades do mercado de terras-raras do Brasil

Pessoas bem-sucedidas costumam dizer que a sorte é apenas o encontro da oportunidade com a competência. A frase atribuída ao filósofo romano Sêneca deveria servir de mantra para que o Brasil não desperdice a chance de se tornar um ator de peso em um mercado que definirá o futuro do planeta nas próximas décadas: o de terras-raras, um grupo de dezessete elementos químicos essenciais para a transição energética e para as novas tecnologias como a inteligência artificial. Esses minerais participam da produção de itens cada vez mais essenciais, como turbinas eólicas, veículos elétricos e microchips. O Brasil tem uma reserva estimada em 21 milhões de toneladas — a segunda maior do mundo, atrás da China —, mas produz menos de 1% do total global. Tamanho potencial a ser desenvolvido colocou o país de vez no radar de outras nações que tentam se desvencilhar do quase monopólio que a nação asiática detém sobre esses minerais e os produtos em que são empregados. O acesso a eles tornou-se um dos trunfos das negociações conduzidas pelo chanceler Mauro Vieira junto ao governo dos Estados Unidos para eliminar as sobretaxas às exportações. “Não podemos perder a chance de consolidar essa indústria no país”, diz Havilá Nóbrega, secretário-executivo do conselho de mineração da Confederação Nacional da Indústria. “Temos vantagens comparativas relevantes.”

PRIORIDADE - Silveira: o poder público despertou para o potencial do setor
PRIORIDADE - Silveira: o poder público despertou para o potencial do setor (Ricardo Botelho/MME/.)

Em outros lugares, as terras-raras surgem em rochas que precisam ser trituradas até se obter o pó adequado às próximas etapas de produção. A grande vantagem do Brasil é que aqui a natureza se encarregou de moer as pedras por meio da erosão. Por isso, esses minerais são encontrados na forma de argila, eliminando as etapas prévias de beneficiamento e reduzindo os custos de produção. Trata-se de um chamariz irresistível para as empresas. A pioneira foi a Serra Verde, controlada pela americana Denham Capital. Desde janeiro do ano passado, a mineradora explora terras-raras na cidade de Minaçu (GO). Sua produção, porém, ainda é pequena: em 2024, extraiu apenas 20 toneladas.

A australiana Meteoric também aposta no país com um investimento de 440 milhões de dólares (cerca de 2,4 bilhões de reais). Situado no município mineiro de Caldas, seu projeto será uma das maiores áreas de produção do mundo, com 1,5 bilhão de toneladas de argila para ser processada, da qual espera extrair um total de 6 milhões de toneladas de terras-raras, já que seu teor de concentração é de 0,4%. É o suficiente para mantê-la em operação por várias décadas. Pode parecer pouco, mas é o equivalente a 15% das reservas comprovadas da China. A empresa deve iniciar as obras em meados de 2026. Com um custo de produção de 9 dólares por quilo, a Meteoric pretende vender o material por até 40 dólares por quilo. “É um excelente negócio”, afirma Marcelo de Carvalho, executivo-chefe da mineradora no Brasil. Seus planos, porém, não se limitam à extração. “Queremos verticalizar a operação”, diz, referindo-se à intenção de avançar nas etapas seguintes da cadeia produtiva.

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ESTRATÉGICAS - Produção de carros elétricos: terras-raras são essenciais
ESTRATÉGICAS - Produção de carros elétricos: terras-raras são essenciais (Lucio Tavora/Xinhua/AFP)

Em linhas gerais, o processamento envolve quatro fases. A primeira é a mineração, que gera o chamado concentrado mineral — um produto em que as dezessete terras-raras estão misturadas. A segunda é a separação, quando cada elemento é extraído do concentrado. Em seguida, os minerais são transformados em ligas metálicas. Por último, tais ligas são utilizadas em produtos como os ímãs que integram as turbinas eólicas ou os microchips. Atualmente, as companhias chinesas detêm a supremacia em todas as etapas produtivas. Por isso, o processo de ponta a ponta tornou-se uma obsessão dos outros países, inclusive do Brasil. Por meio de parcerias com institutos de pesquisa, os empreendedores do setor perseguem esse objetivo. É o caso de outra australiana, a St George Mining, que firmou um acordo com o Centro Federal de Tecnologia de Minas Gerais para construir uma planta-piloto em Araxá, onde está sua jazida de nióbio e terras-raras, cuja produção começará em 2027. “Atenderemos à demanda das indústrias brasileiras que querem produzir ímãs, baterias e outros artigos”, afirma John Prineas, fundador da empresa. “Vamos integrar cadeias produtivas locais e globais.”

TRUNFO - Mauro Vieira e Marco Rubio: acesso a minerais em troca do fim das tarifas comerciais
TRUNFO - Mauro Vieira e Marco Rubio: acesso a minerais em troca do fim das tarifas comerciais (Freddie Everett/U.S.D.S./.)
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Tanto a Meteoric quanto a St George Mining participam do MagBras, consórcio que reúne pesquisadores brasileiros e grandes empresas como a mineradora Vale, a empresa de motores WEG e a montadora Stellantis. Constituída no início de outubro, a iniciativa visa criar condições para que o Brasil domine o ciclo de produção de tais elementos. A boa notícia é que acumulamos bastante conhecimento na área: alguns institutos já separam terras-raras a partir de concentrados, outros sabem como transformá-los em ligas metálicas e há os que já fabricam ímãs. Faltava apenas aproximar todos eles. “Com o Mag­Bras, conectaremos pesquisadores com a demanda industrial”, afirma André Pimenta de Faria, um dos idealizadores do consórcio e coordenador do centro de inovação e tecnologia para ímãs de terras-raras do Senai.

arte terras raras

O poder público também despertou para o potencial desse mercado. Criado em 2022, o Conselho Nacional de Política Mineral permaneceu na gaveta até o último dia 16 de outubro, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, participaram, enfim, da cerimônia de sua instalação. Composto por dezoito ministérios, o CNPM terá a missão de transformar as grandes reservas de minerais críticos em riqueza para o país. Na Câmara, o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) finaliza o parecer do Projeto de Lei nº 2.780/24, que cria a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos. Entre as novidades, o texto prevê mecanismos de financiamento para mineradoras que não têm condições de oferecer garantias reais aos bancos. Um deles é a criação de um fundo garantidor de crédito que sirva de fiador dessas operações. Além disso, os incentivos poderão beneficiar também quem utilizar os minerais em seus produtos. “Queremos que eles sejam flexíveis para ser usados nas diferentes etapas da cadeia produtiva”, diz o deputado. A lei não fará distinção entre empresas nacionais e estrangeiras: “Precisamos atrair o capital externo para investir em terras-raras aqui”. De 2025 a 2029, o Brasil deve receber mais de 2 bilhões de dólares em investimentos para projetos de terras-raras, o que pode garantir ao país um lugar de destaque na nova economia global.

Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2025, edição nº 2968

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