Bilionário da mineração mira o Brasil para projeto histórico de energia limpa

O bilionário australiano Andrew Forrest não foge de briga. A meio caminho de fazer um investimento histórico no Brasil, ele vem sendo regularmente criticado por analistas financeiros conservadores, que chamam sua estratégia de negócios de “fantasia verde” (e usam palavras menos educadas para se referir ao próprio Forrest). As ações de sua companhia, a mineradora Fortescue Metals, vêm oscilando muito e, em meados de agosto, valiam 35% menos do que no pico, em 2024. Sua fortuna pessoal encolheu um pouco desde 2023, para 25 bilhões de dólares, fazendo-o cair da primeira para a segunda posição no ranking das pessoas mais ricas da Austrália, segundo a agência Bloomberg. Mas ele atravessa essa turbulência sem olhar para trás.

“Não aceito nada disso”, afirmou Forrest (referindo-se à análise de que está sob pressão), em entrevista a VEJA NEGÓCIOS. “Nossa base de acionistas foi de 50 000 para quase 200 000. Não vejo falta de apoio.” A estratégia que vem sendo questionada é a de transformar a companhia, uma das cinco maiores mineradoras de ferro do mundo, em uma força global no combate à crise climática.

Forrest, fundador, maior acionista e presidente do conselho de administração da Fortescue, vem chamando de “bobagem” e “picaretagem” o conceito bem difundido de net zero, pelo qual empresas podem soltar algum gás carbônico na atmosfera desde que compensem as emissões com créditos de carbono, reflorestamento ou outro meio. O bilionário defende o que chama de “real zero”, ou seja, parar completamente de usar combustíveis fósseis, e bem rápido: até 2030, ao menos nas operações na Austrália. E que operações: a companhia produz mais de 170 milhões de toneladas de minério de ferro por ano em duas minas que ficam entre as dez maiores do mundo. Haja máquina e combustível. A meta de zerar emissões é muito mais ambiciosa do que as usuais entre mineradoras. O roteiro proposto exige abundância de fontes de energia renováveis — o que levou a Fortescue ao Ceará.

A empresa australiana foi a primeira a assinar, em 2022, um pré-contrato para produção de “hidrogênio verde” no Complexo do Pecém, perto de Fortaleza. “Ao escolher o Pecém, a empresa australiana impulsiona a industrialização do Ceará, atrai novas cadeias produtivas, fortalece a posição do Brasil como potencial líder na produção e exportação de hidrogênio verde e contribui para o cumprimento das metas climáticas brasileiras”, afirma Max Quintino, presidente do Complexo. O investimento da Fortescue na área pode chegar a 18 bilhões de dólares, que se tornaria um recorde para o estado.

O hidrogênio não é uma fonte de energia, e sim um carreador — gasta-se eletricidade para produzi-­lo e pode-se convertê-lo de volta em eletricidade. No processo, perde-se energia (por isso, o Operador Nacional do Sistema Elétrico brasileiro vem analisando com lupa os pedidos para instalação dessas usinas). O gás representa um meio para armazenar energias intermitentes como solar e eólica, não deteriora (ao contrário dos combustíveis fósseis) e mostra grande potencial para mover veículos pesados, como caminhões, trens e navios, principalmente em operações distantes de onde se encontra a infraestrutura de abastecimento. O hidrogênio é também matéria-prima industrial. Quando produzido com energia limpa, como eólica ou solar, a melhor opção no Ceará, recebe o apelido de “verde”. Esse potencial levou outras seis companhias a assinar pré-contratos com o Complexo de Pecém.

A Fortescue é a única das sete que não nasceu no setor de energia, o que só fornece munição aos críticos da empresa. As conversas chegam agora ao momento decisivo. “As empresas já estão pagando pelo aluguel das áreas enquanto finalizam seus projetos e têm até 2026 para tomar decisões finais e assinar contratos definitivos, iniciando a produção no fim de 2027”, diz Quintino. Em agosto, a Fortescue suspendeu dois projetos de hidrogênio verde, na Austrália, por custo alto, e nos Estados Unidos, pelo efeito Trump, mas ainda manteve o do Ceará.

Forrest é crítico assumido do presidente americano Donald Trump. “Conforme os Estados Unidos recuam do investimento no que vai ser o maior setor da economia no mundo (energia renovável), a China e a Fortescue avançam”, afirmou o bilionário no início de agosto, depois que a empresa australiana fechou o maior financiamento já feito pelo Banco da China a uma organização estrangeira: 14 bilhões de iuanes (equivalentes a 2 bilhões de dólares) para a transição verde. A China já é o principal destino do minério da Fortescue e será a maior importadora do “ferro verde” que a companhia pretende vender.

A mudança geral no perfil da Fortescue inclui, na Austrália, uma usina solar funcionando e outra em construção, 640 quilômetros de linhas de transmissão, sistemas de baterias gigantes e uso de equipamentos elétricos de grande porte, incluindo escavadeiras já em operação e caminhões e perfuratrizes encomendados. Esse parque industrial vai exigir uma nova camada de software para eliminar desperdícios e coordenar o trabalho das máquinas. A empresa já usa dezenas de perfuratrizes e caminhões autônomos. A condução de máquinas pesadas feita por inteligência artificial, perfeita e invariável, poupa até 30% de energia. A estimativa de investimento está em 6,2 bilhões de dólares. O CEO, Dino Otranto, afirmou em 2024 que havia também testes iminentes com caminhões a hidrogênio verde, mas a empresa recuou dessa promessa.

Para completar, a companhia deu origem a uma subsidiária, Fortescue Zero, de engenharia e tecnologias limpas para a indústria pesada em geral. A empresa desenvolve software e sistemas para controle de emissões de carbono, veículos autônomos e baterias “inteligentes”, conectadas e com alta capacidade de análise de desempenho. Um projeto-modelo para o grupo é o navio de carga Green Pioneer, movido a amônia (um combustível limpo), que deve ir a Belém para a COP30. As iniciativas prometem alto impacto, mas dão frio na barriga de investidores e analistas financeiros que prefeririam ver uma gestão mais tradicional, com foco na máxima rentabilidade em minério de ferro. Forrest entende, mas caminha em outra direção, e com pressa: “O clima vai ficar pior, e no curto prazo”.

“O clima vai ficar pior no curto prazo”

Economista com doutorado em ecologia marinha, Andrew Forrest, fundador da Fortescue, aposta na capacidade do Brasil de produzir energia verde

Um acidente pessoal grave, uma jornada acadêmica, viagens por dezenas de países. Foi bem longo o caminho do bilionário australiano Andrew Forrest, 63 anos, economista de formação, para passar de empreendedor de sucesso na mineração a defensor do banimento urgente dos combustíveis fósseis, transição que conta com o incentivo dos quatro filhos adultos. Forrest visitou o Brasil em junho, para um roteiro que incluiu reuniões com o vice-presidente Geraldo Alckmin e o governador do Ceará, Elmano de Freitas. Em São Paulo, concedeu a seguinte entrevista a VEJA NEGÓCIOS.

Para uma empresa australiana, qual é a lógica de produzir hidrogênio verde no Brasil? Tem uma história e tanto aí. Em 2013, o conselho da Fortescue decidiu avaliar se hidrogênio, capaz de substituir petróleo e gás natural, poderia ser fabricado sem queimar combustíveis fósseis. Começamos a conduzir estudos. Avaliamos cerca de setenta países, incluindo o Brasil, para saber se havia estabilidade política, capacidade financeira e industrial, energia solar, eólica ou hídrica para produzir volumes comerciais de hidrogênio. Chegamos a uma sonora resposta “sim”. Era só começar. Quando provarmos que podemos fazer isso de forma lucrativa, outras grandes empresas vão pegar essa rota. E, no meio disso tudo, sofri um acidente que mudou a minha vida.

O que aconteceu? Em 2014, eu estava fazendo trilha em Kimberley (norte da Austrália). Parei numa borda, com água lá embaixo. A borda cedeu e eu caí, mas minha perna se prendeu em um galho e fez assim (quebrou no joelho, no sentido contrário ao da junta). Caí na água, sem conseguir respirar… E saí dessa de cadeira de rodas. Aí meus filhos disseram: “Pai, agora você tem tempo para estudar o que sempre quis, ecologia marinha”. Entrei no doutorado, que terminei em 2019, e saí convencido de que a Fortescue e a indústria pesada têm de se afastar dos combustíveis fósseis, ou eles vão estrangular este planeta.

Mas muitas empresas de mineração continuam fazendo negócios da forma tradicional… Ou seja, não ajudam em nada. Aí vem Donald Trump e elas ainda ganham uma desculpa para continuar não fazendo nada.

Alguns analistas financeiros também criticam sua estratégia. Nossa base de acionistas cresceu de 50 000 para 200 000 ao longo desse período de transição. Não vejo falta de apoio. O.k., alguns acionistas podem dizer “só quero maximizar retornos, não vejo por que gastar 6,2 bilhões de dólares nisso”. Mas, se ganharmos 1 bilhão de dólares por ano com esse investimento, será uma ótima taxa de retorno. Ainda por cima, os investidores estão seguros, pois uma companhia verde não está exposta a penalidades e a mecanismos como o CBAM (taxa de importação de carbono da União Europeia). Isso tudo vai ter impacto logo. O clima vai ficar pior — e no curto prazo, nos próximos cinco anos.

Publicado em VEJA, agosto de 2025, edição VEJA Negócios nº 17

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