Além de NY: o revés político para Trump nos outros resultados de eleições nos EUA

As manchetes desta quarta-feira, 5, nos Estados Unidos e mundo afora foram tomadas pela histórica vitória de Zohran Mamdani, eleito o primeiro prefeito muçulmano de Nova York com uma campanha que atraiu às urnas um número recorde de eleitores, em especial os jovens, animados com propostas mais à esquerda do que o normal para o Partido Democrata. Autodenominado socialista, o político de 34 anos atiçou a ira de Donald Trump com a agenda que o presidente logo taxou de “comunista radical”, e sua vitória deve provar-se uma pedra no sapato do republicano a quem Mamdani deseja se contrapor.

Não foi o único revés para Trump na última noite. Eleitores de vários estados americanos foram às urnas na terça 4 para as chamadas off-year elections, pleitos locais realizados entre ciclos presidenciais, que serviram como uma espécie de termômetro da aprovação do seu mandato antes das legislativas de 2026, que vão renovar o Congresso hoje controlado pelo Partido Republicano. Em cada uma delas, o presidente deu contra a parede.

Sua aprovação nunca esteve tão baixa (39%, segundo média da revista Economist) e, das tarifas descontroladas e batidas indiscriminadas do ICE, polícia de imigração americana, até a reforma de US$ 300 milhões para colocar um salão de baile na Casa Branca, sua presidência se mostrou, revelaram os resultados de terça, profundamente impopular.

Virgínia, Nova Jersey e Pensilvânia

Nas disputas para governador de Nova Jersey e Virginia, as candidatas do Partido Democrata, Mikie Sherrill e Abigail Spanberger, respectivamente, saíram vencedoras. Spanberger substituirá o republicano Glenn Youngkin, enquanto Sherrill sucederá um correligionário, Bill Murphy.

Embora trate-se de dois estados onde a legenda costuma predominar sobre o Partido Republicano, a margem da vitória foi surpreendente: ambas democratas superaram seus rivais por mais de 13 pontos percentuais, vantagem muito maior que a aferida na eleição presidencial de 2024. E o pleito mostrou ainda que, quando Trump não está na cédula, eleitores não comparecem às urnas para apoiá-lo, mesmo quando republicanos como Winsome Earle-Sears, que rivalizou com Spanberger na Virgínia, tentam copiar seus disparates.

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Esta também é a primeira vez que o Partido Democrata vence três eleições consecutivas para governador em Nova Jersey desde 1961, enquanto na Assembleia Legislativa da Virgínia, a legenda conquistou 13 cadeiras, obtendo sua maioria mais expressiva em quase 40 anos.

Em paralelo, na Pensilvânia, um relevante swing state (onde eleitores votam ora pelos republicanos, ora pelos democratas em movimento pendular), o Partido Democrata conseguiu preservar três cadeiras cruciais na Suprema Corte estadual, onde hoje sentam juízes progressistas.

Outras votações incluíram as eleições para prefeito em Cincinnati, Atlanta, Detroit e Pittsburgh. Nas duas primeiras cidades, os democratas Aftab Pureval e Andre Dickens conseguiram se reeleger para um segundo mandato. Em Detroit, sua colega de partido, Mary Sheffield, tornou-se a primeira mulher a liderar a cidade. E Corey O’Connor derrotou o rival republicano, elegendo-se prefeito de Pittsburgh.

Referendo na Califórnia

A onda azul avançou ainda mais longe sobre a já azulíssima Califórnia, onde 63,8% dos eleitores votaram “Sim” em um referendo para permitir que o governador democrata Gavin Newsom redesenhe os distritos eleitorais do estado. A manobra foi estratégica e veio depois de Newsom prometer combater “fogo contra fogo” uma medida do Texas para fazer o mesmo, só que a favor dos republicanos, a mando de Trump. Todos, é claro, de olho nas midterms do ano que vem, que vão definir se o Partido Republicano mantém controle total do Congresso ou se os democratas conseguem virar alguma das casas.

Nos Estados Unidos, deputados e senadores são escolhidos para representar distritos específicos. Os limites territoriais de cada um deles são definidos pelo legislativo de cada estado (no chamado “redistricting“) com o objetivo, em teoria, de dividir a unidade da Federação em blocos com o mesmo número de eleitores que reflitam as características populacionais indicadas pelo Censo a cada 10 anos.

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Mas nesse processo ocorre o chamado “gerrymandering” — a manipulação das fronteiras de distritos eleitorais para criar maiorias artificiais e favorecer um partido ou político específico que, do contrário, não venceria a eleição. A técnica tornou-se comum porque, no sistema bipartidário americano, eleitores raramente mudam de voto ao longo dos anos. Quem muda é o distrito.

No começo deste ano, Trump demandou que os republicanos do Texas, altamente alinhados a ele, “encontrassem cinco assentos” para que o partido aumente sua presença na Câmara nas próximas eleições legislativas e impeça o Partido Democrata de tomar o controle da casa legislativa. Com a aprovação de projeto semelhante na Califórnia, a medida texana pode ser neutralizada.

De acordo com a pesquisa de boca de urna da emissora NBC na terça-feira, 55% dos eleitores em Nova Jersey, 56% dos eleitores na Virgínia, 69% dos eleitores na cidade de Nova York e 63% dos eleitores na Califórnia disseram desaprovar do governo Trump.

Fôlego democrata, com reservas

Embora os democratas tenham se saído bem nessas e outras eleições suplementares ao longo do ano, a imagem do partido ainda está em queda. Em julho, seu índice de aprovação atingiu o patamar mais baixo em 30 anos. Na semana passada, uma pesquisa de opinião do Washington Post-ABC News-Ipsos revelou que 68% dos americanos acreditam que os democratas estão desconectados da realidade – mais do que os 63% que compartilham dessa opinião sobre Trump.

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Foi um ano miserável para um partido sem liderança, lutando para superar no xadrez político um homem que constantemente muda de estratégia e, se não funciona, joga o tabuleiro inteiro para o alto. Moral em baixa e passividade viraram a regra para os democratas.

Onde estaria a saída do marasmo? O caminho é Mamdani, de Nova York, que não esconde a inclinação à esquerda e eletrizou jovens progressistas? Ou Sherrill e Spanberger, de Nova Jersey e Virgínia, duas centristas tranquilas com experiência no setor de segurança? Essa última terça-feira, por si só, não foi capaz de resolver o enigma. E o Partido Democrata deve continuar sua autorreflexão, de preferência, com mais rapidez, para desenvolver algum tipo de estratégia sustentável (e com tempo) antes das legislativas de 2026.

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