De Trump a agenda ambiciosa: os desafios do socialista Mamdani após vitória histórica em NY

Zohran Mamdani, do Partido Democrata, foi eleito prefeito de Nova York na madrugada desta quarta-feira, 5, após uma campanha que mobilizou uma nova geração de eleitores, ampliou a base de sua legenda na cidade e conquistou nova-iorquinos descontentes, levando um recorde de mais de 2 milhões de pessoas às urnas na véspera. Aos 34 anos, ele tornou-se o mais jovem líder da maior cidade dos Estados Unidos, bem como o primeiro muçulmano a comandar a Prefeitura, ao derrotar o ex-governador de Nova York, Andrew Cuomo, que concorreu como independente após perder as primárias democratas, e o republicano Curtis Sliwa.

Foi uma vitória histórica, fruto de uma inteligente campanha nas redes sociais, mas sobretudo uma série de promessas ousadas para tornar Nova York mais acessível com políticas populistas que vão desde creches universais a transporte público gratuito. Agora, ele deve enfrentar uma longa lista de obstáculos para implementar sua ambiciosa agenda — entre os quais se destaca o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Um crítico ferrenho de Mamdani, o líder republicano declarou seu apoio a Cuomo na véspera do dia da eleição e prometeu tomar medidas contra a cidade na costa leste caso o democrata, a quem rotula de “comunista”, vencesse a disputa — ameaças essas que incluem cortes de repasses do governo federal para Nova York.

O recém-eleito prefeito também precisará conquistar o apoio da Assembleia Legislativa estadual e de Kathy Hochul, a governadora do estado de Nova York, mais moderada que ele. Tudo isso com a grande dúvida: o Partido Democrata, sem saber se suas políticas de esquerda podem prejudicar a imagem da legenda junto a eleitores centristas, vai apoiar sua agenda e comprar sua briga com Trump?

Os desafios de uma agenda ambiciosa

Depois de passar apenas quatro anos como membro da Assembleia Legislativa do Estado de Nova York, Mamdani assumirá em 1º de janeiro de 2026 a Prefeitura da maior cidade dos Estados Unidos, com um orçamento de quase US$ 116 bilhões, uma força de trabalho de mais de 300 mil pessoas e uma população de mais de 8 milhões. Segundo especialistas, isso será um enorme desafio por si só, dada sua experiência limitada no governo.

Também será impossível concretizar sozinho algumas de suas principais propostas, como o congelamento dos preços de alugueis para nova-iorquinos em situação de vulnerabilidade, passe livre em ônibus municipais, oferta universal de creches, aumento do salário mínimo de US$ 16,50 para US$ 30 por hora até 2030 e a criação de supermercados da Prefeitura que compram e vendem a preços de atacado.

A maioria de sua agenda dependerá do apoio de Hochul, legisladores estaduais e da Câmara Municipal, em especial para dar um jeito de financiar tais planos. Também precisará de respaldo de líderes empresariais, de organizações sem fins lucrativos e políticos da cidade e do estado, e montar uma equipe que possa ajudá-lo a implementar suas políticas.

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De acordo com seu plano, parte da agenda seria financiada com o aumento do imposto de renda para os mais ricos e do imposto corporativo para empresas, com os quais ele espera arrecadar US$ 9 bilhões em novas receitas. Qualquer movimento nesse sentido — sempre uma questão espinhosa — precisará da aprovação da Assembleia Legislativa. Hochul, que apoiou Mamdani e concorre à reeleição em 2026, afirmou ser contrária à escalada dos tributos.

Estrategistas e analistas políticos afirmam que, para que seja bem-sucedido, Mamdani precisará coletar vitórias rapidamente e provar que é capaz de trabalhar com a governadora e a assembleia estadual, demonstrando que é um bom negociador. A disputa pela reeleição de Hochul, aliás, pode dar vantagem ao prefeito, já que ela precisará do apoio dele no que se espera ser uma corrida acirrada — mas também é possível que a governadora, que lida com um eleitorado estadual mais conservador do que o de Mamdani, frustre alguns de seus planos.

O fator Trump

Trump ameaçou repetidamente cortar o repasse de verbas federais para Nova York caso Mamdani fosse eleito, alegando que o político “quer destruir” a cidade. Desde o início do mandato, o presidente republicano colocou cidades comandadas por democratas em sua mira, usando o poder federal para extrair concessões de governadores e prefeitos e pressioná-los a colaborar com a agenda da Casa Branca — em especial no que diz respeito à sua política de deportações em massa.

“Se o candidato comunista Zohran Mamdani vencer a eleição para prefeito da cidade de Nova York, é altamente improvável que eu contribua com fundos federais, além do mínimo exigido, para minha amada primeira casa”, disse Trump na segunda-feira.

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O orçamento operacional de Nova York depende de US$ 7,4 bilhões em repasses federais para o ano fiscal de 2026, o que representa 6,4% do total das despesas da cidade, segundo relatório divulgado em abril.

Autoridades municipais vêm se preparando para cortes por parte do governo Trump desde antes de Mamdani vencer as primárias democratas. A Casa Branca já congelou US$ 18 bilhões em investimentos em infraestrutura em Nova York, como parte de cortes mais amplos que tiveram um impacto desproporcional nas principais cidades do país.

Mamdani prometeu lutar contra o presidente “em todas as etapas”, insistindo que “com muita frequência, tratamos as declarações de Donald Trump como se fossem lei”. Ele citou cidades na Califórnia, onde líderes locais trabalharam juntos para se opor à retenção de verbas federais e à mobilização de soldados da Guarda Nacional.

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Não está claro até que ponto ele vai conseguir resistir à pressão do poder federal. Por outro lado, cortes em Nova York, segundo especialistas, podem ter um efeito bumerangue e se voltar contra o presidente. Qualquer medida que prejudique a economia da maior cidade dos Estados Unidos, por exemplo, teria ramificações nos distritos eleitorais no entorno da metrópole — vários dos quais têm disputas acirradas e podem impactar qual partido controlará a Câmara após as eleições legislativas de 2026, plantadas no meio do mandato presidencial.

A dúvida sobre o Partido Democrata

Os democratas estão divididos sobre o apoio a Mamdani, cuja ascensão foi impulsionada pelo sucesso na mobilização de eleitores jovens e descontentes em Nova York. Muitos elogiaram seu foco na acessibilidade e seu uso das redes sociais para engajar as novas gerações no processo político. Mas alguns expressaram preocupação de que a ascensão de um autodenominado socialista aliene os eleitores mais moderados e prejudique democratas nos chamados swing states ​​— aqueles onde não há um partido consolidado — nas eleições de meio de mandato de 2026.

Mamdani também virou alvo de intenso escrutínio por suas opiniões sobre Israel, em um momento em que o apoio ao país judaico é uma questão controversa entre os democratas. Ele se recusou a afirmar que o Estado judeu tinha direito de existir e ameaçou ordenar que a polícia prenda o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, se visitar Nova York, devido ao mandado emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra no conflito em Gaza.

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O democrata foi acolhido por correligionários que também se autodenominam socialistas, incluindo o senador Bernie Sanders (independente por Vermont) e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez (democrata por Nova York). O ex-presidente Barack Obama telefonou para Mamdani antes da eleição, elogiando sua campanha e oferecendo-se como conselheiro do mandato, segundo o jornal americano The New York Times.

Mas, de modo geral, os líderes do Partido Democrata têm procurado se distanciar do recém-eleito prefeito, preferindo impulsionar os candidatos mais moderados da legenda. Enquanto isso, Trump e outros republicanos se apressaram em colar a imagem de Mamdani aos democratas, para rotular a sigla como “extrema esquerda”.

A reticência do próprio partido em apoiar o novo prefeito de Nova York pode prejudicá-lo. No entanto, é possível que sua vitória histórica tenha implicações nacionais no longo prazo, levando ao recrutamento de candidatos jovens e mais à esquerda que possam desafiar o establishment democrata.

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