Na Medicina Humana o intestino é tido como o segundo cérebro e na Medicina Veterinária isso não é muito diferente. Diversas pesquisas apontam que a microbiota intestina tem um papel central como regulador da saúde dos pets, causando impactos diretos na pele, articulações e na saúde bucal.
De acordo com Jess Jarett, cientista principal de P&D para pets na Cargill, uma microbiota intestinal saudável desempenha funções específicas, incluindo a produção de metabólitos benéficos, a conversão de ácidos biliares e a ajuda na digestão dos alimentos. Por conta disso, essa comunidade deve permanecer estável e resiliente a perturbações.
“Estamos analisando grandes populações de animais saudáveis e observando quais bactérias aparecem repetidamente no intestino deles. Essas são o que chamamos de microbioma central em pets saudáveis”, explicou.
Dentre os fatores que modulam a microbiota do intestino, a dieta é o que tem maior influência. A composição dos macronutrientes e o nível de umidade do alimento afetam as populações microbianas.
Em gatos, o acesso ao ar livre e a exposição a presas, parasitas e patógenos podem influenciar o microbioma, enquanto em cães o tamanho corporal também tem impacto.
Dessa forma, as espécies apresentam diferenças-chave em seus microbiomas, refletindo suas origens evolutivas. Os felinos, como carnívoros obrigatórios, tendem a apresentar uma colonização de microrganismos mais diversa e consistente entre os indivíduos. Já os cães mostram maior variação — possivelmente devido à diversidade entre raças.
Eixo intestino-pele
Dados levantados em animais diagnosticados com dermatite atópica demonstraram que existe uma relação entre a saúde intestinal e as condições de pele, visto que os pets com a doença possuem microbiomas distintos. Jarret relatou que pesquisas apontam níveis mais baixos de metabólitos intestinais benéficos em populações com inflamações cutâneas.
“Quando conseguimos aumentar esses metabólitos benéficos, como os ácidos graxos de cadeia curta, isso ajuda a melhorar a integridade da barreira intestinal. Assim, evitamos que moléculas grandes e inadequadas passem do intestino para a circulação, onde podem desencadear inflamação e alergias”, cita.
Pesquisas também demonstram que o transplante de microbioma fecal em várias espécies causaram resultados promissores para dermatite atópica e outras condições de pele. Logo, melhorar a integridade da barreira intestinal evita que grandes moléculas alimentares atravessem e provoquem reações inflamatórias, que se manifestam como coceira e irritação.
Deste modo, o eixo intestino-pele funciona de forma bidirecional. Pesquisas com roedores apontam que feridas na pele alteram a composição do microbioma intestinal — um achado importante para pets presos em ciclos de coçar e se ferir, o que potencialmente afeta a saúde intestinal.

Benefícios para as articulações
O cientista relatou que a disbiose intestinal, condição caracterizada pelo desequilíbrio da microbiota, pode desencadear processos inflamatórios que perpetuam problemas nas articulações.
Assim como na Dermatologia, animais com doenças articulares tendem a ter microbiomas diferentes e marcadores inflamatórios aparecem nas articulações afetadas junto com DNA de microrganismos intestinais.
“Existe um processo contínuo de renovação em que o muco é produzido pelo hospedeiro e decomposto por bactérias — esse processo deve estar em equilíbrio. Da mesma forma, a cartilagem passa por degradação e reconstrução constantes, mas quando esse processo se desequilibra, ocorre inflamação e se forma um ciclo vicioso”, comenta.
Conexões com a saúde bucal
De acordo com o Jess, as conexões entre a saúde bucal e a saúde geral são particularmente fortes, estando as doenças periodontais e a disbiose oral associadas a enfermidades inflamatórias intestinais, artrite, doenças neurodegenerativas, diabetes e cânceres gastrointestinais.
Biofilmes bacterianos se formam nos dentes e superfícies orais, podendo calcificar-se em tártaro. Quando bactérias patogênicas colonizam esses biofilmes, liberam toxinas e enzimas que desencadeiam respostas imunológicas e alteram o comportamento de outras bactérias. Isso resulta em um processo inflamatório crônico, criando condições que favorecem os patógenos e liberam nutrientes que sustentam seu crescimento.
“Como a boca é uma mucosa, alguns desses patógenos conseguem entrar nas células imunológicas ou diretamente na corrente sanguínea — além de, claro, serem engolidos”, explicou.
Esse movimento cria uma entrada contínua de patógenos no intestino por meio da deglutição, onde podem colonizar e perturbar o funcionamento do microbioma intestinal.
A conexão também é bidirecional: processos inflamatórios iniciados no intestino podem causar inflamações nos tecidos orais. O comportamento de limpeza de cães e gatos (lamber-se) ainda reforça essa ligação entre os microbiomas oral, cutâneo e intestinal.

Como modular a microbiota intestinal?
Segundo Jarret, os prebióticos e probióticos podem modular o microbioma por meio da sinalização direta com o sistema imunológico, influenciando as bactérias existentes no intestino ou fornecendo metabólitos benéficos diretamente aos pets. Alguns ingredientes até superaram medicamentos sistêmicos em determinadas condições em pesquisas.
Ele destacou que a diversidade das fibras pode ser mais importante do que o tipo específico. Oferecer uma variedade maior de fontes de fibras sustenta uma comunidade mais ampla de bactérias benéficas, em vez de promover apenas um pequeno grupo.
Para pets carnívoros, as fontes de proteína também merecem atenção. Algumas bactérias em cães e gatos podem produzir metabólitos benéficos, como o butirato, a partir de proteínas em vez de fibras — oferecendo abordagens alternativas para apoiar a saúde intestinal.
Já os pósbióticos apresentam vantagens práticas em relação aos probióticos na produção de rações, devido à sua maior resistência aos processos industriais.
Como grande parte dos efeitos benéficos vem da sinalização — tanto entre bactérias quanto com o sistema imunológico do hospedeiro —, os microrganismos não precisam necessariamente estar vivos para funcionar de forma eficaz. Pesquisas mostram que algumas cepas podem ser igualmente ou até mais eficazes como pósbióticos do que como probióticos.
Além disso, a fase inicial da vida representa uma janela especialmente importante para o suporte ao microbioma. O microbioma em desenvolvimento precoce é crucial para treinar o sistema imunológico a responder de maneira adequada, com benefícios que duram por toda a vida do animal.
Jarett observou, porém, que períodos de desafio — como tratamento com antibióticos ou problemas gastrointestinais recorrentes — também são oportunidades para um suporte direcionado.
“Acho que é uma área de pesquisa extremamente empolgante, com muita ciência nova surgindo”, concluiu o cientista, expressando otimismo sobre o uso dessas descobertas para melhorar significativamente a vida dos pets por meio da nutrição.
Fonte: Pet Food Industry, adaptado pela equipe Cães e Gatos.
FAQ sobre os efeitos da microbiota intestinal na saúde dos pets
O que é a microbiota intestinal?
A microbiota intestinal consiste no conjunto de microrganismos que habitam o trato gastrointestinal dos animais e desempenham funções vitais na saúde.
Quais fatores podem interferir no microbioma do intestino dos cães e gatos?
A idade do animal, sua alimentação e doenças concomitantes são alguns dos aspectos que mais possuem relação direta com a saúde intestinal dos pets.
Como manter a microbiota intestinal saudável?
Além de uma dieta balanceada, os probióticos, prebióticos e simbióticos podem auxiliar na manutenção da microbiota intestinal.
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