Antibiótico nas diarreias agudas em cães e gatos: vilão ou mocinho?

Os quadros de diarreias agudas são comuns na clínica médica de cães e gatos e, muitas vezes, colocam os médicos-veterinários frente a importante questionamento: utilizar ou não antibióticos no tratamento?

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A médica-veterinária pós-graduada em Gastroenterologia Veterinária e Hematologia Veterinária, Anna Carolina Rodrigues Santos, explica que as diarreias agudas não se estendem por mais de duas semanas, sendo uma condição pontual e que não apresenta recorrência.

“Em cães e gatos suas principais causas são imprudências alimentares, mais comuns em cães do que em gatos, presença de parasitas, como vermes e protozoários, doenças infecciosas, tal qual, parvovirose, cinomose e as hemoparasitoses, e até mesmo intoxicações ou intermação”, pontua.

O que todas essas causas têm em comum é a ausência de caráter bacteriano. Segundo Santos, nesses quadros o antibiótico não vai tratar a causa de base e pode predispor ao desenvolvimento disbiose, aumentando a possibilidade de ocorrerem recorrências em um futuro próximo devido ao tratamento inadequado.

“Também não devemos esquecer do risco de resistência bacteriana”, assinala.

cachorro comendo pizza
As imprudências alimentares estão entre as principais causas de diarreia aguda em cães (Foto: Reprodução)

Diagnóstico não é simples

Para realizar um tratamento correto das diarreias agudas a médica-veterinária recomenda uma boa triagem, a começar pela anamnese. Nesse momento é importante entender qual a exposição do paciente a doenças infecciosas e parasitárias e se houve alguma imprudência alimentar.

“Em seguida, começamos a pensar em quais exames vão nos ajudar a guiar o diagnóstico. Um bom e velho exame de fezes, como o parasitológico, associado a teste rápido de giárdia ou parvovirose (se houver essa possibilidade), exame de sangue e de imagem, como o ultrassom abdominal, podem, sem dúvidas, elucidar o quadro e levar ao tratamento adequado, pontua.

O teste para giárdia deve ser considerado em cães jovens com diarreia aguda e é particularmente indicado naqueles com doença não autolimitada ou recidivante².

Já o teste para parvovirose é recomendado para cães jovens, com idade inferior a seis meses e diarreia aguda; cães jovens acima de um ano de idade com diarreia hemorrágica aguda; e cães adultos não vacinados ou vacinados inadequadamente².

Solucionando o quadro

Anna Carolina cita que, perante os quadros de diarreia, a escolha deve ser pelo tratamento de suporte, que inclui fluidoterapia, analgesia, anti-inflamatório – se necessário -, simbiótico para auxiliar na regulação da microbiota intestinal e alimentação adequada.

Os probióticos também podem ser integrados na prescrição do paciente.

“Um bom probiótico ajuda no tratamento das diarreias, independente de existir outra causa de base. Ou seja, mesmo se a causa for parasitária, o probiótico é bem-vindo, pois além de auxiliar na restauração da microbiota, melhora a barreira intestinal e aumenta a produção de ácidos graxos de cadeia curta, que podem melhorar a saúde intestinal”, informa.

Além disso, a profissional explica que não existem efeitos colaterais relacionados a esse tipo de medicação. “Porém, é sempre bom lembrar que alguns pacientes podem apresentar reações individuais, como flatulências e distensão abdominal, que são raras”, relata.

gato fazendo ultrassom
O ultrassom abdominal é um dos exames que pode ajudar a diagnosticar a causa da diarreia aguda (Foto: Reprodução)

Guidelines internacionais trazem atualizações

Em 2024 foi publicado o último guideline europeu a respeito do uso de antibióticos em diarreias agudas.

O “European Network for Optimization of Veterinary Antimicrobial Therapy (ENOVAT) guidelines for antimicrobial use in canine acute diarrhoea” traz explicações simples que ajudam os médicos-veterinários a entender quando os antimicrobianos podem ser instituídos perante esses quadros em cães.

As recomendações foram divididas em tópicos e baseadas em diferentes apresentações clínicas. Com base nisso, não deve-se utilizar os antibióticos nas seguintes situações:

  • Recomendação 1: Para cães com diarreia aguda não hemorrágica e doença leve, não é indicado o tratamento com antibióticos.
  • Recomendação 2: Cães com diarreia hemorrágica aguda e doença leve, com bom estado geral, sem sinais de desidratação ou doença sistêmica, não devem ser tratados com antibióticos. O documento ainda cita: “evidências científicas mostram que os antimicrobianos não conferem um efeito clinicamente relevante em animais com essas condições, independentemente da presença ou não de sangue nas fezes.
  • Recomendação 3: Em cães com diarreia aguda não hemorrágica e doença moderada também não é recomendado o tratamento com antibióticos.
  • Recomendação 4: Cães com diarreia hemorrágica aguda e doença moderada não devem ser tratados com antibióticos. De acordo com o guideline, existem evidências de alta relevância que os antimicrobianos não conferem um efeito clinicamente relevante em animais com esse quadro, independentemente se a diarreia é hemorrágica ou não.

Por outro lado, quando há quadros de diarreia aguda hemorrágica e não hemorrágica e doença grave, fica sugerido o tratamento com antibióticos sistêmicos.

Inclusive, nesses casos, é indicada a administração parenteral de antibióticos, seja por via intravenosa ou intramuscular. Contudo, a escolha do medicamento depende da gravidade do estado clínico do animal e da disponibilidade da medicação.

Outro ponto importante do guideline é que a duração da administração dos antimicrobianos depende da resposta do animal, sendo necessário deve-se fazer uma avaliação diária dos cães durante a hospitalização.

Cita-se no documento: “para a maioria dos quadros, o tratamento de três a sete dias é provavelmente suficiente para obter resolução clínica”.

Com relação a utilização de probióticos, a diretriz não apresenta recomendação favorável ou desfavorável para cães com diarreia aguda.

Mas, afinal, por que em alguns casos ocorre melhor do paciente após o uso dos antibióticos? Anna Carolina responde com um outro questionamento:

“Quando o animal faz uso de antibiótico essa não é a única medicação inclusa no seu protocolo de tratamento, certo? Geralmente, também são incluídos medicamentos de suporte e, até mesmo, fluidoterapia. Por isso, não tem como afirmar que o antibiótico resolveu o problema e, vale destacar, que a maioria dos casos são autolimitantes e apresentariam melhora de qualquer forma”, finaliza.

REFERÊNCIAS:

¹ Jones, P.H, Dawson S., Gaskell R.M., et al. Surveillance of diarrhoea in small animal practice through the Small Animal Veterinary Surveillance Network (SAVSNET). The Vererinary Journal. v. 201, setembro 2014, p. 412-418.

² Jensen L.R., Werner M., Singleton D. European Network for Optimization of Veterinary Antimicrobial Therapy (ENOVAT) guidelines for antimicrobial use in canine acute diarrhoea. The Veterinary Journal, v. 307, outubro 2024. 

FAQ sobre as diarreias agudas em cães e gatos

Quais são as principais causas desta condição em pequenos animais?

Nos cães e gatos as diarreias agudas podem ser causadas, principalmente, por imprudências alimentares, presença de parasitas, como vermes e protozoários, doenças infecciosas, tal qual, parvovirose, cinomose e as hemoparasitoses, e até mesmo intoxicações ou intermação.

Os antibióticos são indicados para tratar diarreias agudas?

Não, na maioria dos casos não são necessários antibióticos para solucionar o quadro, visto que grande parte das diarreias agudas não são causadas por bactérias.

Como diagnosticar a causa da diarreia aguda?

O diagnóstico das diarreias agudas deve ser feito com base em algumas ferramentas. Dentre elas, estão uma boa triagem através da anamnese e exames como parasitológico de fezes, teste rápido de giárdia ou parvovirose (se houver essa possibilidade) e exames de sangue e de imagem.

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