Um solo mais fértil: como o agronegócio pode virar aliado no combate à crise climática

Em Campo Verde, a paisagem branca da fazenda Fartura, do Grupo Bom Futuro, se destaca como um imenso laboratório a céu aberto. No horizonte, colheitadeiras avançam em linhas milimetricamente calculadas. Perto da sede, tanques metálicos abrigam bioinsumos em processo de fermentação. A cada safra de algodão, milhões de microrganismos cultivados ali são devolvidos ao solo, recuperando áreas desgastadas por anos de uso intensivo e reduzindo a dependência de químicos tradicionais. Entre os corredores de plantio, técnicos registram dados, avaliam a cobertura vegetal e projetam a pegada de carbono de cada tonelada colhida. Nada parece escapar ao controle, da análise da microbiota do solo às imagens de satélite que monitoram talhões inteiros: o Bom Futuro busca conciliar escala e precisão científica. O que se experimenta nesse pedaço do Cerrado no interior do Mato Grosso vai além da produtividade. É um ensaio sobre como o agronegócio brasileiro pode alinhar tecnologia, rastreabilidade e respeito ambiental, desafiando décadas de degradação.

A lógica que orienta essas experiências é a da agricultura regenerativa, um conjunto de práticas que busca devolver ao solo mais do que dele se retira. No plantio do algodão, isso significa alternar o cultivo com gramíneas e leguminosas, manter cobertura vegetal mesmo fora da safra e reduzir ao mínimo o revolvimento da terra. O resultado é um solo mais vivo, capaz de reter água, armazenar carbono e sustentar produtividades altas sem depender de defensivos. Para além da técnica, é também uma resposta às exigências do mercado internacional, que pressiona por fibras e grãos de baixo impacto ambiental e rastreáveis desde a origem. “Nosso desafio é mostrar que é possível produzir em larga escala e, ao mesmo tempo, respeitar os limites do solo”, afirma Nahzir Okde, gerente de parcerias do Grupo Bom Futuro.

Um dos alicerces desse processo são os programas PRO Carbono e PRO Carbono Com­modities, da Bayer. O primeiro oferece suporte técnico e ferramentas digitais para mensurar a saúde do solo, o armazenamento de carbono e a redução de emissões. O segundo implementa um sistema de rastreabilidade que acompanha os grãos do campo ao mercado internacional, garantindo origem livre de desmatamento e pegada de carbono mensurada.

arte agricultura

Dez grandes produtores participam do programa, somando cerca de 160 000 hectares. A lógica combina tecnologia e manejo sustentável: rotação de culturas, cobertura vegetal durante todo o ano, manejo reduzido do solo, uso de bioinsumos e monitoramento digital da lavoura. Para grandes grupos do setor, aderir aos programas significa não apenas acesso a dados e tecnologia de ponta, mas também a oportunidade de inserir sua produção em cadeias globais cada vez mais exigentes em critérios socioambientais. “Os resultados são concretos. A soja produzida sob essas técnicas teve redução de cerca de 70% na pegada de carbono em comparação com a média nacional. Isso mostra que é possível unir produtividade e sustentabilidade de forma mensurável”, afirma Marina Menin, diretora do negócio de carbono da Bayer para a América Latina.

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A mudança de consciência ocorre em boa hora. Mato Grosso, potência global em grãos e fibras, está entre os estados mais expostos aos efeitos da emergência climática. Em 2024, enfrentou a pior seca em 25 anos, que atrasou o plantio e comprometeu a safra seguinte. O Monitor de Secas apontou 98% do território sob algum grau de estiagem, enquanto incêndios florestais e ondas de calor extremos se tornaram cada vez mais frequentes. “Essas condições reforçam a necessidade de repensar a agricultura: precisamos produzir, mas com o solo vivo e resiliente, para que o campo continue gerando alimento em meio a crises cada vez mais intensas”, diz Antônio Trento Scheffer, diretor do Grupo Bom Futuro. Nesse contexto, práticas regenerativas deixam de ser apenas inovação tecnológica e passam a representar um caminho de sobrevivência, conciliando produção e conservação em um dos epicentros globais da agricultura sob pressão climática.

Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2025, edição nº 2967

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