Era o início do século 16 quando o rei Henrique VIII causou um cisma na Igreja: quando o então papa se recusou a anular seu matrimônio com Catarina de Aragão, para que ele pudesse casar-se com a amante Ana Bolena, rompeu com o catolicismo de Roma e fundou a Igreja Anglicana, da qual o próprio seria líder. Foi o início do movimento de Reforma na Inglaterra.
Quinhentos anos depois, uma cena inusitada: Leão XIV e o rei Charles juntaram-se nesta quinta-feira, 23, na Capela Sistina para a primeira missa conjunta entre os chefes das duas congregações desde então.
Cânticos latinos e orações em inglês ecoaram pela capela no Vaticano, onde Leão foi eleito o primeiro papa americano por cardeais católicos do mundo inteiro há seis meses, diante de afrescos de Michelangelo representando Cristo proferindo o Juízo Final.
Charles sentou-se à esquerda do papa, perto do altar da capela, enquanto Leão e o Arcebispo anglicano Stephen Cottrell conduziam uma cerimônia que contou com a presença do Coro da Capela Sistina e dois coros da realeza britânica.
Embora o rei tenha se encontrado com os três últimos papas, e João Paulo II e Bento XVI tenham viajado para o Reino Unido, tais ocasiões jamais incluíram orações conjuntas.
História turbulenta
O catalisador imediato da cisão entre a coroa inglesa e Roma foi o desejo de Henrique VIII por um herdeiro homem — e uma nova esposa que pudesse lhe dar um. Mas outros fatores também estavam em jogo, envolvendo a apreensão de bens da Igreja Católica pela coroa inglesa e o crescimento das ideias protestantes entre britânicos.
Enquanto a Inglaterra oscilava entre o catolicismo e o protestantismo durante os reinados das filhas de Henrique, Maria I e Elizabeth I, centenas de católicos e protestantes foram executados por sua fé, muitas vezes queimados na fogueira.
A visita de Charles e da rainha Camilla ao Vaticano marca um estreitamento dos laços entre a Igreja Católica e o anglicanismo, cinco séculos após sua turbulenta separação.
“Este momento oferece uma espécie de cura da história”, disse o padre anglicano James Hawkey à agência de notícias Reuters. “Isso teria sido impossível há uma geração atrás”, sublinhou.
Honrarias
Charles e Camila, que já haviam viajado ao Vaticano para visitar o papa Francisco quando ainda estava com vida, também tiveram um encontro privado com Leão nesta manhã. À tarde, ele deve seguir para a Basílica de São Paulo Fora dos Muros, em Roma, uma das quatro igrejas mais veneradas do catolicismo.
Lá, deve receber do pontífice o novo título de “Confrater Real”, ou irmão. Charles também receberá um assento especial na abside da basílica: um trono de madeira, a ser usado no futuro exclusivamente por monarcas britânicos, é decorado com o brasão do rei e o lema ecumênico “Ut unum sint” (Que sejam um). O Palácio de Buckingham também aprovou duas honrarias britânicas para Leão: torná-lo “Confrater Papal” da Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor, e conferir-lhe o título de Cavaleiro da Grã-Cruz da Ordem de Bath.
O bispo Anthony Ball, representante oficial da Igreja Anglicana no Vaticano, disse que as honrarias “demonstram o compromisso que ambas as nossas Igrejas têm em trabalhar por um futuro compartilhado”.
Também são uma boa distração para Charles. Em casa, no Reino Unido, o irmão do rei, o príncipe Andrew, está imerso em uma crise cada vez mais profunda devido a acusações de abuso sexual e seus laços com o pedófilo Jeffrey Epstein.













