Armani prepara transição com desafio de manter a elegância atemporal de seu criador

Foi a derradeira dança tingida de tons de cinza e azul profundo do Mediterrâneo, paleta de cores adorada pelo estilista italiano Giorgio Armani. Como se tratava de celebração, não por acaso, brilharam como nunca antes, na Semana de Milão, no final de setembro, os passos elegantes e espaçados da modelo Agnese Zogla, nascida na Letônia, uma das prediletas do “rei Giorgio”, como a imprensa apelidou o designer, arquiteto da elegância discreta e atemporal, como se seus cortes tivessem sempre existido.

Houve comoção, homenagem ao gênio que morrera um pouco antes, em 4 de setembro, aos 91 anos. Era, enfim, a apresentação com pompa e circunstância das últimas ideias de um homem de criatividade infinita, mas sem espalhafato. No vestido de Zogla, em detalhe agora histórico, aparecia estampado o rosto do próprio Armani. Sim, foi um modo de aplaudir uma vida de profissionalismo inigualável, mas também carimbo de uma constatação que pede, agora, um freio de arrumação. Centralizador, firme como poucos e por vezes até autoritário, Armani jogava nas onze. O grupo, avaliado em 12 bilhões de euros, inclui as grifes Emporio Armani, Armani Privé e Armani Exchange, com uma curiosa característica em tempo de tanta rivalidade comercial e necessidade de vencer as fronteiras: havia um único acionista, o próprio Armani.

MEMÓRIA - O designer com a modelo Katia André: elegância para ser lembrada
MEMÓRIA - O designer com a modelo Katia André: elegância para ser lembrada (Pascal Le Segretain/Getty Images)

A abertura do surpreendente testamento, revelado há poucos dias, põe na pista um futuro a ser construído na ponta do lápis. Direto ao ponto, de acordo com o anseio lavrado em cartório: nos primeiros dezoito meses, 15% do conjunto deverá ser negociado; entre três e cinco anos, até 54,9% poderão ser transferidos. Caso não surjam propostas satisfatórias, abre-se a oportunidade de abertura de capital na bolsa de valores. Há ainda, como resultado de conversas anteriores, mantidas em sigilo e que agora foram iluminadas, um trio de compradores prioritários: as gigantes do luxo LVMH, L’Oréal e EssilorLuxottica. A ruidosa decisão de integrar a Armani a outros grupos é passo inédito.

A pergunta que não quer calar: a pulverização dos negócios mataria a alma da Armani? Há receio, mas a curto prazo a resposta é não. A direção criativa da casa permanece nas mãos de colaboradores próximos. O comando está com Leo Dell’Orco, parceiro de negócios e de vida de Armani, e com sua sobrinha, Silvana Armani, responsável pelas coleções femininas. Ambos foram ovacionados no desfile final, indício de condução calma e segura da transição inevitável.

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PODER - Uma das lojas em Milão, na Itália: grupo avaliado em 12 bilhões de euros
PODER - Uma das lojas em Milão, na Itália: grupo avaliado em 12 bilhões de euros (Pascal Le Segretain/Getty Images)

O maior desafio estético será preservar o equilíbrio único entre discrição e distinção, características que Giorgio Armani imprimiu como ninguém em suas criações. Colaborações pontuais podem arejar a marca, mas o DNA da sofisticação silenciosa deve ser mantido. O minimalismo não pode ser esquecido, e quem há de esquecer a suavidade do corte de Richard Gere no filme Gigolô Americano, de 1980? Assim Armani disse inúmeras vezes que gostaria de ser lembrado, fabricante de um código, de um estilo de vida alheio ao exagero. Se mudar muito, tende ao fracasso. Ou, a partir de uma máxima de Armani: “Elegância não se trata de ser notado, mas de ser lembrado”.

Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965

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