Rádios tradicionais de Marília buscam novas ondas para não naufragarem na concorrência das audiências digitais. O passado, o presente e o futuro, escrito e falado, das emissoras da cidade

Por Rodrigo Viudes

Às vésperas do réveillon de 2024, a notícia de última hora chegará tarde para muitas rádios AM do Brasil: a “extinção do serviço de radiodifusão em ondas médias de caráter local”, conforme determina decreto presidencial de 2013.

A decisão alcança duas emissoras tradicionais de Marília – Clube e 950 – que, por circunstâncias diferentes, buscam novas ondas para não naufragarem ante a concorrência das audiências digitais.
Esta nova sintonia de sobrevivência é a apresentação do dia, a última da programação de matérias especiais de 2023 do Fala Marília, em texto e áudios, aos leitores de hoje e aos ouvintes de agora e outrora, nas ondas do rádio.

Em transição

No ar desde 1936, a Rádio Clube AM está em vias de se tornar a nova FM de Marília. A emissora é uma das muitas que ainda seguem em processo de adaptação de outorga para atuarem na frequência modulada.

O jornalismo da emissora, apresentado pelo radialista Amarildo de Oliveira, já frequenta as novas ondas pela Itaipu FM, em transmissões diárias e simultâneas pelas duas únicas rádios sediadas em Marília – ambas do Grupo Emissoras Coligadas.

“O jornalismo vai continuar na Itaipu, com ampliação da prestação de serviços, com a voz ao ouvinte. A tradição será mantida, e com boa música. A programação vai melhorar para quem gosta do rádio”, afirmou Oliveira.

A ‘Nova Rádio Clube’ também deve seguir o modelo multiplataforma das emissoras em tempos digitais: além do som, seja pelo celular ou pelo radinho de pilha, também a imagem, em canal próprio no Youtube.

“Vamos começar pelo jornalismo. O próprio ouvinte encaminha vídeos e fotos pra gente”, antecipou o âncora do ‘Fala Cidade’. “O ano de 2024 é de expectativa para essa transição. O rádio continua muito vivo!”, destacou Oliveira.

Sintonia digital

Única concorrente da Rádio Clube em Marília, mas com sede na vizinha Vera Cruz (SP), a Rádio 950 já está em sintonia digital há anos, ainda que possa ser escutada normalmente pelo rádio convencional e outros dispositivos.

A transição, neste caso, foi a saída encontrada para que a emissora seguisse no ar, apesar de pendências jurídicas. Hoje, o ouvinte está a apenas um clique para ouvir a 950 e todas as demais emissoras ‘de Marília’ pelo www.radios.com.br, inclusas as web rádios. Confira todas abaixo, por ordem alfabética:

  • Rádio 950 AM
  • Rádio Campestre FM
  • Rádio Clube 1090 AM
  • Rádio Conecta FM 101.9
  • Rádio Educativa Marília FM
  • Rádio Fenix
  • Rádio Itaipu FM 99.7
  • Rádio Jovem Pan FM 100.9
  • Rádio Jovem Pan News FM 195.7
  • Rádio Jukebox
  • Rádio Manancial de Águas Vivas
  • Rádio Manancial Gospel
  • Rádio Marília FM 105.9
  • Rádio Nativa FM 96.5
  • Rádio Nova Opção
  • Rádio O Mariliense
  • Rádio Onda Viva FM 105.9
  • Rádio Rede Aleluia FM 104.5
  • Rádio Show FM 94.3
  • Rádio Sociologia
  • Rádio Sound Pop

Procurada pelo Fala Marília, a Rádio 950 informou já ter solicitado sua nova outorga para futuras transmissões em FM. A emissora ainda não tem data definida para o desligamento do sinal de AM.

Nostalgia no ar

Fundada apenas sete anos depois da emancipação político-administrativa de Marília – daí seu slogan de ‘emissora que nasceu com a cidade’ – a Rádio Clube foi a primeira a irradiar sua programação na cidade.

A pioneira cresceu no ritmo efervescente da cidade, testemunhando sua cena econômica, política e, principalmente, social. Em sua sede mais simbólica, um sobrado na rua Paes Leme, ‘disputava’ o público que ia ao Cine Marília, ao dobrar da esquina, na Sampaio Vidal.

Em 1950, somaram-se às ondas das rádios que chegavam da capital as de uma emissora homônima da mariliense fundada por padres estigmatinos na vizinha Vera Cruz (SP), transferida para Marília em 1955.
Naquele mesmo ano, a então Rede Piratininga de Emissoras percebeu a oportunidade para expansão em Marília e fundou a primeira concorrente genuinamente mariliense da Rádio Clube: a Rádio Dirceu.

O nome, aliás, foi escolhido pelo então presidente da República, Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976), segundo depoimento do primeiro gerente da emissora, José Miguel Neto, à Comissão de Registros Históricos da Câmara Municipal de Marília.

“(O presidente) se referiu ao fato de que Marília significava um símbolo da Inconfidência Mineira, através do poeta Thomaz Antonio Gonzaga”, afirmou Neto, referindo-se à obra ‘Marília de Dirceu’, cujo nome batizou a cidade.

A Rádio Vera Cruz de Marília, que passou a ser chamada de ‘Verinha’, trocaria para o atual nome de Rádio 950 em 1989. A Rádio Dirceu AM 730 saiu do ar em agosto de 2016 após operação da Polícia Federal. A Rádio Diário 95.9 FM teve mesmo fim.

Microfones famosos

Ao longo das décadas, as rádios marilienses cederam seus microfones para novos talentos, nativos e radicados, que acabaram por se notabilizar em grandes emissoras e rádio e tevê do país. Entre tantos, seguem abaixo alguns nomes:

  • Dalmácio Jordão (1º locutor do Repórter Esso | Clube, Tupi)
  • Dirceu Maravilha (narrador esportivo | Clube, Dirceu, Difusora, Tupi, Bandeirantes, Record, Band News)
  • Doalcey Bueno de Camargo (Clube, Globo, Tupi, Nacional, Continental, Tamoio e Bandeirantes)
  • Eder Luiz (narrador esportivo | Clube, Dirceu, ‘Verinha’, Bandeirantes, Capital, Bandeirantes, Transamérica, Record)
  • Fausto Canova (radialista | Bandeirantes, Clube, Excelsior, Gazeta, Jovem Pan, Trianon, Tupi
  • Geraldo Tassinari (locutor esportivo | Clube, Rádio Bandeirantes)
  • Humberto Marçal (Dirceu, ABC, Cultura, Bandeirantes, Globo, Nacional e Record)
  • Milton Camargo (narrador esportivo | Clube, Tupi)
  • Omar Cardoso (astrólogo | Clube, Bandeirantes, Espírita e São Paulo)
  • Osmar Santos (narrador esportivo | Clube, Dirceu, ‘Verinha’, Jovem Pan, Record, Globo)

Grandes nomes do rádio brilharam nos microfones e bastidores dos estúdios locais por décadas. Entre os principais estão José Marques Beato, Nhô Constâncio, Walter Saia e Heitor Roberto, já falecidos. Dos veteranos, destaca-se Moacir Pitta, que segue na ativa.

Outros talentos da cidade, também reconhecidos nacionalmente, não passaram pelos microfones das rádios de Marília. Como exemplos, Gustavo Villani (Globo, ex-Transamérica, Record e CBN), Nelson Júnior (narrador oficial do São Paulo Futebol Clube, ex-Marilia Gol) e Fabrício Marília (canal no Youtube).

Em 1995, o então locutor da extinta Rádio Diário FM, Norton Emerson, entrou para o Guiness Book após ficar pouco mais de 100 horas no ar ininterruptamente. Um ‘estúdio do recorde’ foi montado à época na Galeria Atenas. A marca foi superada em 2007, por Beto Café, que ficou 109 horas e 21 minutos em transmissão ao vivo, pela Rádio 89.3 FM, de Campinas (SP).

Perspectivas

História viva do rádio mariliense, o radialista Wilson Matos, 90 anos – dos quais 71 dedicados à profissão – é uma personalidade ímpar. Pioneiro na reportagem de campo e em programas de rádio, preferiu ficar a seguir carreira em grandes centros.

De férias no litoral paulista, Matos cedeu a voz de sua análise sobre os novos tempos do rádio à filha, ex-bibliotecária da Câmara Municipal de Marília, Wilza Aurora Matos Teixeira, coautora do livro ‘Narrativas Radiofônicas: A Trajetória do Repórter Wilson Matos em Marília’ (Ed. Paco Editorial, 224 páginas).

“É um caminho sem volta (a transição da AM para FM), mas seria interessante que as cidades distantes ainda tivessem essas rádios. Vamos torcer para que as comunitárias e as webrádios cumpram esse papel”, analisou.

Outra personalidade do rádio mariliense foi Marcelino Medeiros. Veio da Rádio Bandeirante para Marília após adquirir parte da então ‘Verinha’, em 1971. Ele inovou à época, ao instalar caixinhas de som em salas de espera e lojas, com programação própria.

Marcelino estava a caminho de São Paulo, onde fora buscar novas unidades, quando faleceu em um acidente de trânsito no dia 23/12/1972 . “Se meu pai estivesse vivo hoje, já teria transformado sua rádio em FM ou algo melhor. Ele era um visionário”, diz o filho Marcelino Medeiros Junior, jornalista radicado em Londrina (PR).

O irmão, Márcio Cavalca Medeiros, seguiu carreira no rádio nos anos 1980 e 1990, com passagens pelas emissoras de rádio e TV Record, Bandeirante e Gazeta. Entre os anos 1990 e 2000, chefiou as equipes de esportes das rádios Clube e 950.

“Lamento a eliminação da AM, mas compreendo a centralização na FM, por causa da tecnologia”, analisou. “Mas o rádio ainda terá seu espaço em razão da condição econômica das pessoas. Afinal, é gratuito”.

Ouvinte de rádio há décadas, o escritor Ivan Evangelista Júnior diz esperar que a transição das emissoras de rádio AM para o FM em Marília não interfira na essência da interatividade entre locutores e ouvintes.

“Essas rádios ainda cativam as pessoas porque abrem espaço para sejam coadjuvantes da programação”, afirmou. “Se algumas secretarias sintonizarem a rádio pela manhã e anotar os endereços das reclamações, a agenda do dia estaria feita”, sugeriu. É sintonia garantida com a população. No AM ou FM.

Ouça algumas antigas transmissões de rádios AM de Marília e do Repórter Esso:

Rádio Clube

Rádio Dirceu (Franz Neto)

Rádio 950

Repórter Esso

2 Comentários

    Impressionante a capacidade de imersão que você tem quando se dedica a escrever sobre um determinado assunto. Meticuloso, atento e detalhista, consegue nos levar ao tempo desejado dos caminhos que vai traçando por entre as linhas, fotos, vídeos e áudios.
    Vou compartilhar com amigos e dexistas de todo o Brasil. Parabéns!

      Muito obrigado pela sua avaliação Ivan, ainda mais vindo de um profissional competente como você nos dá mais motivação ainda. Realmente o Rodrigo Viudes é um mestre no jornalismo. Rogério Cabral.

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