A crônica do roteiro distante

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por Ramon Barbosa Franco

Entre os roteiros que já escrevi, há um que se passa em galáxias tão distantes quanto o coração da mulher que ignora o homem que a ama. Dante Alighieri, em “Divina Comédia”, está trancado no Inferno, enquanto a mulher que ele idealiza e ama vive lá no alto, no Paraíso. Até se encontrarem, serão páginas e mais páginas de uma jornada mítica e envolvente, passando pelos círculos do submundo, respirando um pouco no Purgatório, até que, enfim, no Canto XXX, no alto dum monte, o poeta que praticamente inventou o idioma italiano ao escrever o colossal épico em vulgare – o italiano falado nas ruas de sua época – topa com a musa numa procissão.

Da mesma forma que Dante e a “Divina Comédia” estão para o idioma italiano, Luís de Camões e “Os Lusíadas” estão para o português. No Canto III d’Os Lusíadas, Camões narra a tragédia do amor impossível entre o herdeiro do trono português, Pedro, e a nobre galega – mas não da realeza portuguesa – Inês de Castro. Iniciado em 1556 e só concluído em 1571, “Os Lusíadas” deu o certificado de nascimento para a Língua Portuguesa, que é poeticamente chamada por Olavo Bilac de ‘a inculta e bela, última flor do Lácio’ por sua origem no latim.

O latim clássico era falado pelas elites, mas as camadas populares falavam o vulgare, e foi desse latim vulgar que, na Península Ibérica, se desenvolveu o português.Amores impossíveis, portanto, estão em “Os Lusíadas” e em “Divina Comédia”, de modo que metaforar que uma galáxia fica tão distante quanto o coração da mulher que ignora o homem que a ama não estaria de todo errado.

Confesso que este roteiro surgiu após sugestão de um amigo, mas como nunca fui ao espaço – e o mais perto que cheguei disso foi em duas oportunidades.

A primeira, na infância, brincando no fundo do quintal de casa em Paraguaçu Paulista e me imaginando atravessando galáxias infinitas; e a segunda, já adulto, em Marília, anos atrás, quando entrevistei o senador Marcos Pontes, o astronauta brasileiro. Eu não fui, mas ele foi. Igual quando a violeira Helena Meirelles ganhou o reconhecimento internacional como a maior violeira do mundo. Ela não foi aos EUA receber o prêmio, “mas minha alma foi”, teria dito a artista pantaneira.E eis que chega a hora de conceber a história e o pré-roteiro, para depois iniciar a roteirização de cenas e a estrutura da narrativa.

Comecei a rascunhar aqui e ali, lembrando das coisas que o Marcos Pontes me contou sobre como é estar no espaço, revivendo cenas de clássicos que se passam por lá e folheando publicações sobre o sideral. Assisti a alguns documentários, me lembrei do Carl Sagan, do filme “Fogo no Céu” (de 1993, com o título original “Fire in the Sky”), “Hangar 18” e vi aulas do astrofísico Neil deGrasse Tyson, de quem sou fã e grande admirador. Nada.

Vinha um fio condutor aqui, outro ali. Eis que me pego querendo ouvir músicas e me pergunto: qual música caipira ou sertaneja que aborda o espaço? Recordei a música “Disco Voador”, na voz de Sérgio Reis e composta por Palmeira (Diogo Mulero, 1918-1967).

“Aqui na Terra só se pensa em guerra, matar o vizinho é nossa intenção”, diz a letra do poeta caipira nascido em Agudos e responsável pelo hit internacional “Nova Flor” – gravada em espanhol e até mesmo em inglês. “… por mais que cresça, perante Deus qualquer gigante tomba”, avisa Palmeira na letra de “Disco Voador” sobre os rumos das potências militares terráqueas.Ainda que recheada de mensagens e ensinamentos, “Disco Voador” não me ajudou muito no desenrolar do roteiro.

O negócio foi então buscar uma dupla que ouço desde criança: Duduca e Dalvan. Deixei a “Espinheira” de lado e fui para “Meus Pedaços”. O estalo, feito um “big bang”, ocorreu e o texto fluiu com todos os elementos necessários para entreter o leitor.

Ramon Barbosa Franco é escritor e jornalista, autor dos livros ‘Canavial, os vivos e os mortos’, ‘A próxima Colombina’, ‘Contos do Japim’, ‘Vargas, um legado político’, ‘Laurinda Frade, receitas da Vida’, ‘Quatro patas, a história de Pituco’, ‘Nhô Pai, poeta de Beijinho Doce’, ‘Dias de pães ázimos’ e das HQs ‘Radius’, ‘Os canônicos’ e ‘Onde nasce a luz’, ramonimprensa@gmail.com

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