Luis Fernando Verissimo: o tempo e o vento do humor

Em 1982, ao estrear sua página semanal em VEJA — que manteria até 1989 —, o escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo tratou antes de pedir desculpa pelo espaço que começava a ocupar, em homenagem a quem ali aparecia antes dele: “Substituir o Millôr? Espera um pouquinho. Deve haver algum engano. Eu vim aqui tratar de uma assinatura. Me larguem”. E avisou: “Bem, penso da morte a mesma coisa que penso das multinacionais. Ela está aí, existe, não há como evitá-la, pode até ser uma coisa boa, na medida em que cria empregos etc. — mas sou contra”.

Ao morrer em 30 de agosto, aos 88 anos, em decorrência de pneumonia, depois de um longo tempo com Parkinson e de um AVC em 2021, deixou como herança para a literatura e a sociedade brasileiras um dos mais inteligentes e profícuos trabalhos de humor (e ironia, porque sem ela a vida não tem graça, e rir é o melhor remédio). Foi mestre nas crônicas, gênero que reinventou, embora tenha se arriscado também em romances. “Seu estilo é o que dizem bestamente de tantos — inimitável. Nenhum de nós, colegas de ofício, consegue fazer assim, desse jeito de quem não quer nada”, disse dele Millôr. Verissimo publicou setenta livros, com mais de 5 milhões de exemplares vendidos, e criou personagens impagáveis, eles, sim, imortais: o Analista de Bagé (o psicanalista “mais ortodoxo do que rótulo de Maizena”); a Velhinha de Taubaté (“a única brasileira que ainda acreditava na política”) e o detetive trapalhão Ed Mort. Fez imenso sucesso também com as tirinhas As Cobras, que começou a publicar no jornal Zero Hora, os bichos de traços simples (“por falta de habilidade para desenhar outros animais”) que criticavam a ditadura militar ao tratar de poder, economia, casamento, sexo e um imenso etc.

A comédia da vida privada do Brasil nos últimos cinquenta anos foi traduzida com elegância e mordacidade por Verissimo, que começou tarde seu ofício, aos 33 anos, talvez pelo receio de ser comparado ao pai, Erico Verissimo, autor de obras seminais, como a saga de O Tempo e o Vento. Mas ele negou, diversas vezes, ter tido bloqueio consciente. “Nunca havia pensado em ser escritor. Talvez achasse que não deveria ser por causa dele, mas não era uma coisa deliberada”, disse em 2003 a VEJA. Amante das coisas da vida — gastronomia, viagens, música, a família —, era discreto como ninguém, mesmo quando tocava saxofone para plateia em bares escuros e pequenos teatros: “A falsa ideia, entre meus amigos, de que eu falo pouco se deve ao fato de que entre eles eu não tenho oportunidade. Eu não sou quieto, sou é muito interrompido”. Para o jornalista Sérgio Augusto, “tímido, taciturno, ele encarava o seu humor como um triunfo da técnica sobre a vocação”. Verissimo era mesmo inigualável.

Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2025, edição nº 2960

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