A substituição do açúcar por adoçantes artificiais pode representar mais do que uma simples mudança na dieta. Um estudo conduzido pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) apontou que o consumo elevado desses produtos pode trazer consequências inesperadas para a saúde do cérebro a longo prazo. Os resultados foram publicados nesta quarta-feira, 3, na Neurology, revista da Academia Americana de Neurologia e uma das principais referências na divulgação de pesquisas na área.
A análise – a maior até o momento sobre o tema – acompanhou 12.772 adultos em 6 cidades do Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Vitória, Porto Alegre e Belo Horizonte), com idades entre 35 a 74 anos, durante cerca de oito anos. Os adoçantes artificiais analisados no estudo – aspartame, sacarina, acessulfame-K, eritritol, xilitol, sorbitol e tagatose – são encontrados principalmente em alimentos ultraprocessados, como águas saborizadas, refrigerantes, bebidas energéticas, iogurtes e sobremesas de baixa caloria. Alguns também são utilizados como adoçantes de uso individual.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores dividiram os participantes em três grupos, conforme a quantidade de adoçantes consumida por dia. Quem tomava mais — em média 191 mg — teve um declínio nas funções de memória e raciocínio 62% mais rápido, o que equivale a antecipar em 1,6 ano o envelhecimento do cérebro. No grupo intermediário, com consumo médio de 64 mg/dia, a queda foi 35% mais rápida, representando cerca de 1,3 ano de envelhecimento cerebral. Já os que ingeriam menos adoçante, em torno de 20 mg por dia, serviram como comparação e tiveram o desempenho preservado por mais tempo.
É importante esclarecer que declínio cognitivo é um termo amplo e significa, de forma simples, uma piora em funções como memória, atenção, raciocínio e velocidade de pensamento. Isso não quer dizer, necessariamente, uma doença como o Alzheimer — pode ser apenas parte do envelhecimento natural. Mas, quando essa perda acontece de forma mais rápida, pode aumentar a vulnerabilidade do cérebro e servir como fator de risco para doenças neurodegenerativas em pessoas que já tenham predisposição.
De todos os adoçantes analisados, todos se associaram ao declínio cognitivo, sem grandes diferenças entre eles. O único que não apresentou resultado significativo foi a tagatose, conhecida pelo baixo teor calórico. “Isso não significa que seja mais seguro, mas pode refletir o fato de poucas pessoas consumirem esse adoçante”, explica Claudia Suemoto, autora do estudo e professora de geriatria da FMUSP. Ainda de acordo com ela, no caso dos substitutos do açúcar, o que parece importar mesmo é a quantidade ingerida, mais do que a composição química.
Vale destacar que adoçantes bastante populares atualmente, como sucralose e stevia, não foram incluídos na análise, porque, em 2008 — quando o estudo começou a ser desenhado — eles ainda não estavam disponíveis no Brasil.
Conexão intestino-cérebro
Os pesquisadores ainda não têm uma explicação definitiva sobre o que pode estar por trás da associação entre consumo elevado de adoçantes e declínio cognitivo, mas estudos em modelos animais ajudam a levantar hipóteses. Experimentos com ratos mostram que, quando alimentados com adoçantes artificiais, eles apresentaram neuroinflamação, alterações na microbiota intestinal e até sinais de degeneração e morte neuronal. Essas mudanças podem afetar a chamada conexão intestino-cérebro, que é cada vez mais estudada por sua relação com funções cognitivas e saúde cerebral.
“Tudo isso ainda é especulação, porque traduzir resultados de ratos para humanos não é simples. Mas essas observações fornecem pistas sobre como o consumo elevado de adoçantes poderia estar ligado ao declínio cognitivo que vimos em pessoas”, explica Suemoto.
O diabetes e a “janela de suscetibilidade”
Um dado que surpreendeu foi que, entre os participantes com menos de 60 anos, quem consumia mais adoçantes apresentou um declínio mais rápido na fluência verbal e na cognição geral do que quem usava menos. O efeito, aliás, foi até mais forte do que entre os maiores de 60 anos — algo que os pesquisadores não esperavam.
Essa diferença pode estar relacionada ao que os especialistas chamam de “janela de suscetibilidade”. A meia-idade é uma fase em que o cérebro se torna mais vulnerável a fatores de risco como hipertensão, diabetes e sedentarismo, que, a longo prazo, podem afetar a saúde cerebral. “Boa parte da prevenção da demência acontece nessa fase da vida. Talvez esse também seja o período em que o cérebro esteja mais propenso a sofrer efeitos negativos do consumo elevado de adoçantes”, sugere Suemoto.
O contexto cultural também entra na conta: estimuladas pela onda do “bem-estar”, pessoas mais jovens e de meia-idade tendem a reduzir o açúcar e usar mais adoçantes do que as mais velhas. Essa combinação de maior consumo e maior vulnerabilidade cerebral pode ajudar a explicar por que o declínio cognitivo foi mais acelerado nesse grupo.
Outro ponto que chamou atenção foi o papel do diabetes. Muitos participantes com a doença estavam entre os que consumiam mais adoçantes e apresentaram envelhecimento cerebral mais rápido. Surge então a clássica dúvida do “o que veio primeiro: o ovo ou a galinha?”. Não é possível afirmar se o declínio é causado pelo consumo elevado de adoçantes ou pelo próprio diabetes. Suemoto, no entanto, sugere que o consumo de adoçantes somado à vulnerabilidade causada pela doença pode contribuir para os resultados mais acentuados nesse grupo. “Se eu estimulo algumas vias de inflamação ou degeneração que já ocorreriam pelo diabetes, é razoável supor que os efeitos sejam maiores”, explica. Ela reforça, porém, que o estudo não investigou esses mecanismos diretamente, então não é possível afirmar isso com certeza.
É preciso parar de consumir adoçantes?
Embora os resultados sejam consistentes — com muitos participantes e longo período de acompanhamento, o que reforça a confiabilidade — a pesquisadora ressalta que ainda são necessárias mais pesquisas para confirmá-los. O estudo é observacional: os pesquisadores apenas acompanharam os hábitos das pessoas ao longo do tempo, sem interferir neles. Esse tipo de investigação não permite provar que uma coisa está associada diretamente a outra, mas é útil para levantar hipóteses importantes.
Para garantir que os resultados fossem confiáveis, a equipe ajustou a análise para possíveis fatores de confusão. “Levamos em conta várias variáveis que poderiam influenciar os resultados, como a quantidade de atividade física, se a pessoa tinha diabetes e se essa doença estava controlada, além de um índice de alimentação saudável”, detalha. Mesmo assim, ela lembra que pesquisas observacionais têm limitações. “É difícil isolar o efeito de um alimento ou de uma dieta inteira, porque fazem parte de um estilo de vida mais amplo. Fizemos o possível para minimizar interferências, mas algum fator residual sempre pode existir.”
Com apoio da Fapesp, a equipe já ampliou a investigação e realiza exames de neuroimagem para avaliar se o consumo elevado de adoçantes pode causar alterações no cérebro — uma forma de visualizar possíveis impactos diretamente.
“Ainda não dá para afirmar que consumir adoçantes causa declínio cognitivo. É um estudo consistente? Sim, mas ainda não é suficiente para mudar diretrizes alimentares”, ressalta a geriatra. Ela compartilha que esse estudo foi um dos mais pessoais que já realizou, pois já foi consumidora assídua de substitutos do açúcar.
“Esse estudo não deve ser interpretado como uma recomendação para parar, mas meu conselho, quase pessoal, é tentar recalibrar o paladar: apostar em água com gás com limão e gelo em vez de bebidas açucaradas artificialmente, no mel, e por aí vai”, diz a pesquisadora. Avaliar se outras alternativas ao açúcar — como purê de maçã, açúcar de coco ou o próprio mel — podem ser opções eficazes e mais saudáveis também está entre os próximos planos da equipe, acrescenta ela.