A professora Maria Rosa Rodrigues em tarde de entrevista na biblioteca braile da Adevimari

Por Rodrigo Viudes

Há décadas a professora Maria Rosa Rodrigues, 58 anos, não enxerga mais seus passos. Mas a desenvoltura com que caminha pelos corredores do piso superior do Complexo Cultural Braz Alécio, no centro, impressiona quem não sabe que ela nada vê.

É lá, depois de passar pelas escadarias, que ela dedica parte de seus dias na semana a ensinar outros cegos a se enxergarem no mundo pelos passos da autonomia na sede da Associação dos Deficientes Visuais de Marília (Adevimari).
 

“É preciso seguir em frente. Se a pessoa cega não se tornar independente, a vida fica mais difícil”, esclarece a professora, cujos aprendizes variam entre crianças a jovens, adultos e idosos de diferentes gêneros.

APRENDIZAGEM SENSORIAL


Maria Rosa utiliza os espaços da Adevimari que conhece muito bem pelas próprias mãos, literalmente, como sua ampla sala de aula. Por ali, costuma orientar seus alunos cegos a saber onde está e para que lado ir.

As janelas generosas da sala da biblioteca braile onde outrora os estudantes do antigo ‘Gynnasium’ avistavam o movimento da cidade hoje emprestam o frescor, o calor, seus sons e as lições sensoriais que um cego precisa aprender.
 

“Nós nos guiamos muito pela audição. É por ela que sabemos as relações de proximidade, distância e direção das coisas e das pessoas”, destaca a professora. “É o tipo de aprendizagem que se pratica no dia a dia”.

LIÇÃO DE CASA


Além de receber os alunos, a professora também visita-os em casa para tatear seus próprios espaços domésticos e orientá-los. “Vou lá e percebo as dificuldades mais comuns e sugiro algumas soluções”, afirmou.

Por experiência própria, a professora diz que uma pessoa cega consegue se encontrar em sua casa e realizar tarefas comuns do dia a dia como lavar louças e cozinhar. “Só não faz o que não quiser ou puder”, falou.

As orientações incluem ainda aulas ao ar livre, com noções de mobilidade para atravessar calçamentos de todo tipo e utilizar o transporte coletivo. “Peço que cumprimentem o motorista quando o ônibus chega. Pela resposta recebida ou não, dá para perceber se a porta está aberta ou fechada”.
 
AUTODIDATA
Muito antes que possibilitasse a outros cegos uma nova visão da vida, a professora perdeu a própria e teve que aprender sozinha a lidar com a deficiência adquirida. Aos 18, teve o descolamento de retina do olho esquerdo. Aos 27, do direito.

Ficou completamente cega em um momento da vida em que havia acabado de passar por um processo seletivo para ser diretora de escola. Só ocuparia o cargo 16 anos depois de atuar em projetos voltados a pessoas com deficiência em Itajaí (SC) e no litoral paulista.

De volta a Marília em 2011, a professora ainda precisou recorrer à Justiça para, enfim, assumir seu cargo. Entre 2014 e 2022, ela foi a única diretora cega da rede municipal de ensino de Marília pela Escola Municipal de Educação Infantil (Emei), na zona norte.
 
PROPÓSITO
Após mais da metade da vida em completa escuridão – Maria Rosa não percebe qualquer tipo de luz, senão pelo calor – a professora vê em sua própria cegueira um propósito para ajudar outras pessoas a enxergarem a vida de um jeito diferente.
 

“Eu lembro na minha vida antes, mas penso como agora eu posso ser útil para que tantos cegos possam ter uma vida dentro da maior normalidade possível apesar de não conseguir enxergar o mundo”, comparou.

A professora afirmou que, apesar do descolamento de retina, teve “cinco ou seis” experiências na vida em que conseguiu ver. A última teria ocorrido em 2010. “Acontece muito rapidamente”, diz. “Só Deus para explicar”.
 
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