Reintroduzidas além dos itambés, abelhas sem ferrão polinizam produção de alimentos que chega ao prato do mariliense. Uma delicia de leitura sobre nossa meliponicultura e apicultura
Por Rodrigo Viudes
Fincada no alto de um espigão no oeste paulista, Marília depende de parte da produção agrícola que sobe diariamente dos vales que a cercam para abastecer as feiras livres e supermercados.
A germinação de verduras, leguminosas, grãos e frutas que chegam à mesa do consumidor mariliense e da região depende da eficiência e a existência de abelhas cada vez mais frequentes no cenário urbano e rural da cidade.
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O aumento populacional destes insetos essenciais à produção agrícola – e, em último caso, de alimentos à humanidade – se deve a iniciativas desenvolvidas em Marília desde o início dos anos 1980.
Pioneirismo
Maior produtora de café, bicho da seda e algodão em outras épocas de sua história de apenas 95 anos, Marília é pioneira na região na introdução de uma nova linhagem de abelhas africanizadas.
Das primeiras colmeias instaladas em 1983 no entorno rural da Fundação Mariliense de Recuperação Social (Fumares) vieram capacitações, cursos e certificados oferecidos aos primeiros apicultores.
“Marília é referência em organização e metodologia de trabalho e, ainda hoje, centenas de pessoas vivem exclusivamente da produção do mel, própolis e outros produtos da apicultura”, afimou o zootecnista Valter Saia.
Professor universitário, Saia produziu trabalhos científicos inéditos, como o de validação do mel de mandioca no Brasil, apresentado na França. Aposentado há cinco anos do serviço público municipal, ele não teve substituto. O cargo foi extinto.
REINTRODUÇÃO
Enquanto ainda estava na ativa, Saia era referência na imprensa para reportagens sobre abelhas. Em 2003, concedeu entrevista sobre a jataí ao jornalista Fernando Garcia, que especializou-se no estudo da meliponicultura.
Trata-se da criação de abelhas sem ferrão, cuja principal referência em Marília está à beira dos itambés no bairro Maracá, na zona norte, em uma antiga área degradada recuperada para servir de santuário às abelhas.
Batizada de ‘Doce Futuro’, a organização de preservação ambiental instalada por abnegados voluntários iniciou em março deste ano reintrodução na natureza Uruçu Amarela através de parceria com a Aranão Transportes Rodoviários.
A espécie é nativa de Marília e ainda corre risco de extinção. Além dela, outras duas dezenas convivem em meliponários espalhados pela área de 120 mil metros quadrados com agrofloresta desenhada para servir às abelhas.
Eucaliptos e pés de cana-de-açúcar plantados suportam e abrandam os ventos para que as operárias gastem menos energia para polinizar a horta e as árvores frutíferas espalhadas entre acácias imperiais e as únicas unidades de ipê-amarelo do cerrado em Marília.
PESQUISA
O mel produzido pelas abelhas na ‘Doce Futuro’ é de consumo exclusivo das próprias colmeias, mas já há estudos em andamento para viabilidade da comercialização nos laboratórios do curso de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Tecnologia (Fatec) de Marília.
A parceria firmada em maio de 2023 possibilita análises físicas, químicas e microbiológicas do mel coletado. “Nossa luta é a falta de recursos. Sem renda, tiramos do bolso e contamos com apoio de parceiros”, afirmou Garcia.
Aluno do curso superior de Tecnologia em Agroecologia na Universidade de Marília (Unimar), Garcia recebeu autorização da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura para identificar as espécies de abelha na biodiversidade do bosque municipal.
Além da ‘Doce Futuro’, as abelhas da espécie urucu amarela também estão sendo reintroduzidas na Fazenda Experimental da Unimar, à beira dos itambés da oeste, em meliponário inaugurado em 15 de março deste ano.
CAFEZAL EM FLOR
Enquanto alguns abnegados marilienses atuam na preservação das abelhas em Marília, outra nativa destas terras faz a diferença em São Paulo na conscientização sobre a importância das abelhas para o meio ambiente e o ser humano.
A pesquisadora científica do Instituto Biológico (IB), Harumi Hojo, tem como campo de atuação e demonstração pública dos benefícios da polinização o maior cafezal urbano do mundo, encravado no centro da capital.
“Apresentamos ao público as variedades do café polinizadas por abelhas de diferentes espécies. Temos observado, ano a ano, o aumento da quantidade daquelas que não têm ferrão”, afirmou Hojo.
A maior frequência destas abelhas pode estar relacionada à instalação de corredores verdes para polinizadores através da plantação de árvores. Iniciada em 2017, a iniciativa já foi replicada em várias regiões da cidade de São Paulo.
NOSSO MEL DE CADA DIA
Em Marília, a produção do mel para comercialização está a cargo das milhões de abelhas com ferrão cujas comeias estão distribuídas em sítios e fazendas do entorno da cidade, na área rural, e em outras localidades.
A manutenção cabe aos atuais 28 membros da Associação dos Apicultores de Marília e Região (Amar). A instalação das colmeias se dá entre parcerias entre estes profissionais e os proprietários rurais.
Fundada em 2006, a Amar dispõe desde 2009 com o Entreposto do Mel, cujos produtos contam com selo de inspeção federal. “Podem ser adquiridos nos mercados e mercearias da cidade”, afirmou o presidente, Fernando Mauro Lopes Ferreira.
A Amar, a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) regional e a Secretaria Municipal de Agricultura informaram ao Fala Maília não dispor de pesquisas científicas em andamento e, tampouco, dados recentes sobre as abelhas em Marília.
“Vamos fomentar junto aos produtores a importância da presença da abelha em suas culturas e, na cidade, o plantio de árvores e de jardinagem favoráveis à polinização”, afirmou o secretário municipal de agricultura, Emerson Luiz Passini.
Parceira da ‘Doce Futuro’, a Secretaria Municipal da Agricultura cedeu cerca de 90% das 2.292 árvores plantadas e catalogadas. O órgão público tem seu próprio meliponário, instalado pela Amar, aberto à visitação pública.