Me lembro, como se fosse ontem, daquela vez que saí do apartamento para comprar fraldas, cheio de sono e cansaço, filha pequena que não parava de chorar. No corredor de fraldas ouvi o som ambiente do supermercado tocar Você é Linda, do Caetano, e olhando uma parede colorida de embalagens vermelhas, azuis e brancas, todas elas com bebês sorridentes, comecei a chorar de saudade de agora. Minha filha pequena era uma onda do mar, do amor, que bateu em mim e pelos próximos anos eu teria uma menininha pra cuidar, proporcionaria a ela a relação paternal que me faltou, meu pai biológico fujão, eu não sou meu pai, filha, eu estou aqui por você, essa canção é só pra dizer e diz. 

Não era a água da Penha, mas refletida naquelas embalagens cafonas dos pacotes de fraldas vi minha filha crescer. Do RN para o P, para o M, para o G, vi nas embalagens crianças de pé usando fraldas, XG, XXG, e evitei continuar pelo corredor até a parte das fraldas geriátricas. Dali a alguns meses a pequena não seria mais pequena, diria adeus para as fraldas, caminharia, falaria, leria bola, Ivo viu a uva, pediria dinheiro para o lanche, passaria o final de semana em Salvador. A paternidade é essa terapia que os homens fazem, essa chance de aprender que homem chora, sente, intui, percebe, se arrepende; homem diz “eu te amo”, “me desculpa”, “alguém me ajude pois estou perdido”, essa última improvável, mas possível. E o homem, que só ama o casamento quando ouve pedido de divórcio, que só ama o trabalho quando recebe a demissão, que só ama a vida quando sai do hospital, tem uma chance.

Uma chance de mudar pelo amor. 
O filho que chega é uma chance. 
O jogador de futebol. 
O vendedor. 
O motorista de aplicativo. 
O aspirante a ator. 
Todos suspiram. 
Uma chance. 
Só preciso de uma chance. 
É isso que é uma criança. 
Um filho que chega é uma chance. 

Durante os próximos anos vamos ter nosso amor correspondido com risadinhas, depois apaixonadamente correspondido com cartinhas mal desenhadas onde se pode ler “para o melhor pai do mundo” com os erres virados para o lado errado. Veremos o brilho nos olhos da criança, esse é o nosso pagamento. Contudo, cada centímetro que crescem anotado com lápis na parede do quarto, estão se despedindo.

O papel do pai é tornar-se obsoleto. É desaparecer da vida dos filhos com o passar do tempo.

A vida é uma despedida incessante.

Já passaram quase vinte anos daquele dia no supermercado em que mirei o futuro, e vi minha filha crescer antes disso. Filhos são mesmo flechas, como escreve Gibran, e os pais são arcos que se envergam para que cheguem o mais longe possível. Dói a despedida constante do filho, cada vez que fazem algo sozinhos pela primeira vez estão também nos dizendo adeus. Eu e minha filha estamos, agora, naquela fase em que ela já faz tudo sozinha. Eu, carente, paro tudo o que estou fazendo se ela me convida para um café. Nos despedimos, dou um abraço apertado, e ela me deixa a rua deserta, quando atravessa, e não olha pra trás. 
 

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