Começo esta coluna com a seguinte reflexão: “Saúde se faz todo dia, não é exclusividade de um único mês do ano”

Por Dr. Thiago Gomes

O mês de setembro é esperado por muitas pessoas por trazer a esperança de novos tempos com o recomeço dos ciclos representado pela estação do ano primavera no Hemisfério Sul do Planeta Terra.

De acordo com os conhecimentos da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), a primavera está relacionada ao elemento Madeira, ao órgão Fígado e à víscera Vesícula Biliar. Também tem correlação à cor verde, à emoção raiva, à direção leste, ao estado do vento, ao sabor ácido e ao odor rançoso. Inicia-se o despertar e crescimento da energia Yang, os dias tornam-se mais longos e mais quentes, as flores desabrocham, os animais acasalam e os pássaros formam seus ninhos… é o despertar da vida.

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Na medicina ocidental sabemos que Fígado e Vesícula são fundamentais para o funcionamento do sistema digestório, auxiliam na formação e destruição do sangue, eliminação de toxinas e produção de proteínas.

A relação do ser humano com a natureza sempre foi assunto para observadores, estudiosos, pensadores e cientistas. Quanto mais nos aprofundamos no conhecimento de como funciona nosso organismo, maiores as chances de mantê-lo saudável. Será mesmo?

Em pleno século XXI, tempo de muitas informações que chegam a um simples clique, qualquer pessoa que tenha acesso à rede mundial de computadores pode encontrar informação a respeito de saúde e bem-estar. Mesmo assim, dados mundiais revelam uma população ainda doente, com diversas patologias divididas em um misto de doenças crônicas e o envelhecimento da população, doenças agudas e reemergentes (ligadas à falta de vacinação e à pobreza) e excesso de violência. O fato de termos cidades preponderantes no modo de se levar a vida tem gerado estresse na maioria das pessoas que, além de sofrerem doenças do corpo, passam a sentir a sobrecarga emocional com aumento em níveis epidêmicos de ansiedade e depressão.

Diante deste cenário duvidoso e ambíguo quais caminhos para se trilhar e manter-se saudável? Quais dicas e segredos ainda não foram revelados nas páginas do Google ou nos vídeos do You Tube?

Quando se pensa nos cuidados de populações, em geral, fala-se em saúde pública ou saúde coletiva. Quando se pensa em evitar doenças, fala-se em prevenção.

O que a maior parte das pessoas recebe em campanhas de marketing, quando se correlaciona aos meses coloridos, são informações focadas em doenças específicas ou necessidade de conscientização a respeito de situações que preocupam a sociedade.

O sociólogo francês Émile Durkheim, em 1897, já escrevia a respeito do suicídio como um fenômeno social e universal, ou seja, quando pensamos que o setembro amarelo é uma novidade, as ações de prevenção devem tomar o cuidado de não reforçar esse fenômeno, e ir em busca de saúde e bem-estar. Isso pode acontecer em níveis coletivos, em termos de sociedades, e em níveis individuais.

Ele descreveu três tipos de suicídio: egoísta, altruísta e anômico. As campanhas de prevenção nem sempre levam esses aspectos sociais em consideração pois estão limitadas aos fenômenos biomédicos e psicológicos.

A Associação Internacional para Prevenção do Suicídio comemora dia 10 de setembro o dia mundial de prevenção ao suicídio.

Segundo o Ministério da Saúde, entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio é a quarta causa de morte depois de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que o suicídio é considerado a segunda causa de mortes entre jovens, depois de acidentes de trânsito.

No Brasil temos as Leis n° 13.819/19 que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio – e n° 13.968/19, que alterou o Código Penal (CP) para modificar o crime de incitação ao suicídio e à automutilação. Quando o poder público cria legislação específica pode-se supor que está olhando para a sociedade como um todo na sua missão de editar e executar as normas, além de julgar e punir aqueles que as infringem.

A Lei nº 13.819/2019, sancionada em 26 de abril de 2019, tem como objetivos:

  • Promover a saúde mental;
  • Prevenir a violência autoprovocada;
  • Controlar os fatores que determinam e condicionam a saúde mental;
  • Garantir o acesso à atenção psicossocial;
  • Abordar adequadamente os familiares e as pessoas próximas das vítimas de suicídio.

Retomando os conhecimentos milenares da MTC, o elemento madeira também se relaciona à vida e ao crescimento. Ele cria a nossa claridade mental, e a nossa habilidade de focar, planejar e fazer decisões e, um desbalanço nele pode ocasionar dificuldades nessas habilidades. Já o sentimento de raiva suprimida, ou seja, quando a sentimos internamente e não conseguimos expressá-la de uma forma saudável, pode causar um desequilíbrio na energia do fígado.

O sentimento de raiva pode ser impulsionador de mudanças importantes na nossa vida e na nossa forma de viver quando não somos controlados por ela e sim a utilizamos como um instrumento de autoconhecimento e de reflexão sobre a nossa existência.

Uma lei de 2019 ou um conhecimento milenar de uma cultura oriental: qual deles tem maior poder sobre as nossas decisões individuais? Qual deles está sendo utilizado coletivamente pela sociedade para buscarmos uma cultura de paz e bem-estar?

Verde foi a cor escolhida para duas campanhas que se remetem a dias específicos no calendário oficial brasileiro: “21 de setembro — Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência e 27 de setembro — Dia Nacional da Doação de Órgãos.”

A Lei 15.463/2014, de 18 de junho de 2014 institui no Estado de São Paulo o mês da doação de órgãos – o Setembro Verde.

Eu só recebo ou doo um órgão com critérios muito bem estabelecidos tanto por parte do doador, quanto por parte do receptor. A legislação brasileira é uma das mais avançadas do mundo. O Sistema Único de Saúde – SUS, tem o maior programa público de transplante do mundo, no qual cerca de 87% dos transplantes de órgãos são feitos com recursos públicos, permitindo que cada vez mais pessoas tenham uma vida melhor.

Em 2001 foram realizados por volta de 10 mil transplantes em todo o Brasil e em 2023 mais de 28 mil procedimentos. Enquanto isso, nosso país tem quase 2 vezes mais recusas do que a média mundial. As razões para doar ou não são complexas. A solidariedade, embora importante, não parece ser suficiente para motivar a doação de órgãos.

A principal causa da baixa doação de órgãos no Brasil é a recusa familiar. Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, a taxa de recusa familiar no Brasil é de cerca de 43%, enquanto a média mundial é de 25%.

A recusa familiar no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante desvelou que os motivos de recusa estão relacionados à crença, valores, falta de compreensão do diagnóstico de morte encefálica e inadequações no processo de doação e transplante.

E surge uma segunda grande reflexão: como eu vou pensar na doação de órgãos e na morte – pessoal ou de um ente querido, se ainda temos tanto medo da morte e do morrer, se continua sendo um tabu e algo cheio de segredos e mistérios, ao contrário de pouco tempo atrás que esse estágio fazia parte da vida da população com velórios ocorrendo no meio da comunidade, muitas vezes em ambiente familiar?

As campanhas novamente parecem perder a força do marketing quando aprofundamos na nossa capacidade de pensar e tomar decisão individualmente.

Setembro Verde também é a campanha destinada à promoção da acessibilidade e inclusão das PcDs – Pessoas com Deficiência. A Lei n° 13.146/2015 garante o exercício das liberdades fundamentais da pessoa com deficiência e assegura seu acesso à saúde, à educação, ao trabalho, lazer e locomoção.

Curioso é que quando eu estava nas séries primárias, dia 21 de setembro era comemorado o Dia da Árvore e não da pessoa com deficiência, e, eu não me recordo de ter amigos ou coleguinhas cegos ou surdos e nenhum cadeirante frequentava o pátio do meu colégio. Ou seja, a pauta é contemporânea e isso revela que nosso país avançou muito em termos de DIREITOS! A nossa constituição de 1988 realmente trouxe avanços relevantes para uma sociedade mais justa.

No entanto, olha que contrassenso dessa sociedade justa nas leis e distorcida na realidade: “O preconceito e a discriminação ainda são barreiras para as pessoas com deficiência e criam obstáculos como a falta de oportunidades no mercado de trabalho e o acesso à educação formal, apesar das políticas de reservas de vagas destinadas a esse grupo minoritário.”, segundo palestrante do seminário Acessibilidade e Inclusão em entrevista da Agência Brasil.

Uma pesquisa encomendada pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo e realizada pelo Ibope, revelou que a pessoa com deficiência que vive na capital paulista ou na região metropolitana ainda sofre preconceito no trabalho. De acordo com a pesquisa, 69% dos entrevistados informaram que já vivenciaram ou presenciaram algum tipo de discriminação, bullying, rejeição, assédio moral e sexual, isolamento ou até violência física no ambiente de trabalho”.

Como uma sociedade transforma as atitudes e as práticas cotidianas de convivência com o outro? Por leis? Campanhas de conscientização? Consensos de convivência? Regras e normas rígidas e alto grau de vigilância e controle?

O filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), um dos pensadores do movimento positivista tem uma frase curiosa e que foi utilizada na criação da nossa República.

“O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”. A frase é um dos princípios fundamentais da filosofia positivista e significa que o amor deve ser o princípio de todas as ações, a ordem é a base para a estabilidade social e o progresso é o objetivo final da sociedade.

E se o setembro fosse verde e amarelo – por um país de Amor?

Haveria necessidade de tantas campanhas, tanta prevenção e tanta violência?

E o Lilás, onde foi parar? Cenas para a próxima coluna. Até semana que vem…

Dr. Thiago Luccas Correa dos Santos Gomes é um médico de família e comunidade com 20 anos de experiência clínica na área de cuidados primários em saúde.

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