O professor Carlos Toloi segue em sala de aula aos 69 anos após 32 dedicados ao magistério paulista

O ano de 1954 não foi dos mais fáceis no passado recente do Brasil. A Quarta República fervia na então capital do país: do manifesto dos coronéis ao assassinato do major Rubens Vaz na rua Toneleros e, por fim, ao suicídio do presidente Getúlio Vargas.

Enquanto a História fazia uma curva, no interior paulista, às 7 horas de 10 de abril daquele ano, em uma casinha branca que já nem existe mais na ainda minúscula Paulópolis, distrito de Pompeia, nascia alguém para entrar em seu curso.

Segundo filho de um casal de lavradores, trazido à cronologia da vida pelas mãos de uma parteira, o pequeno Carlos ainda passaria por muitos capítulos até agregar sua trajetória à de inúmeras personagens de diferentes gerações pela arte de ensinar.

Entre tantas histórias, costuramos com detalhes nunca antes contados, a História do professor Carlos Toloi, uma das principais referências no ensino e na prática da disciplina na cidade nesta reportagem especial ao Fala Marília.
 
AVÔ BOLCHEVIQUE
É preciso recuar das gerações para compreender as origens históricas de Toloi. O avô Leonardo foi um austríaco que lutou na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Capturado, acabou prisioneiro na Rússia, forçado a trabalhar em uma fábrica de locomotivas.

Radicado em solo agora não tão inimigo, participou da Revolução Russa de 1917, operário que era, entre os bolcheviques. Trotskista, exilou-se anos depois na Argentina, para depois imigrar-se para as terras brasileiras de Piratininga (SP).

De Leonardo nasceu Luidi, que casou-se com Isabel, com quem labutou anos na lavoura com os filhos. “Saíamos todos de casa bem cedinho para plantar e depois colher amendoim, batata, algodão”, recorda Toloi.

Seo Luidi ainda se tornaria açougueiro, por vários anos e, já além da meia idade, trabalhava no setor amendoim da extinta Ailiram quando faleceu, em 1981, aos 59 anos. Dona Isabel viveria até os 85, em 2013.
 
FORMAÇÃO
Já residente em Marília, Toloi decidiu tentar uma vaga na única escola pública de ensino superior da cidade à época: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FAFI). Prestou o vestibular em 1973, e passou.

Aos 19, tornou-se universitário de Ciências Sociais. Iniciou sua formação na FAFI e terminou na Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação, campus de Marília da Universidade Estadual Paulista (Unesp) criada em 1976.

De Marília partiu para a Universidade Estadual de Londrina (UEL) para fazer sua História em apenas dois anos, mesmo tempo em que se formou em cursos de extensão de ciências políticas e econômicas na Universidade de São Paulo (USP).
 

“Tive aulas com professores como [o sociólogo] Florestan Fernandes (1920-1995) e [o jurista] Dalmo Dallari (1931-2022)”, citou Toloi. “Tive ótimas referências como aluno e fui me apegando à profissão”.

 
MAGISTÉRIO
Àquela altura do início dos anos 1980, Toloi já era professor. As suas primeiras aulas foram no Colégio Objetivo, em 1978. Dois anos depois, já lecionava pelo Estado na escola da extinta Usina Paredão, em Oriente (SP).

Em 1984, passou em concurso público e ingressou definitivamente na rede estadual de São Paulo como professor efetivo de História na Escola Estadual “Cultura e Liberdade”, de Pompeia (SP), ao mesmo tempo em que continuava a lecionar no Objetivo.

Depois de anos de vai e vem entre duas cidades, acabou transferido, por remoção, para a Escola Estadual “Baltazar de Godoy Moreira”, do bairro São Miguel, onde se aposentadoria, em 2012, após 32 anos de serviços prestados ao magistério paulista.

Em 1988, Toloi e outros professores organizaram um cursinho dedicado aos alunos que desejassem prestar o vestibular. As aulas extras aconteciam nas tardes de sábado com materiais cedidos por colégios e universidades.
 

“No primeiro ano, tivemos 35 alunos e pedimos isenção de taxa à Unesp. E não é que aceitaram? Trinta e três foram aprovados”, conta Toloi. “Alunos de vários colégios ligavam pra gente e pediam ‘Pode ir?’ A gente recebia a todos”.

O professor se recorda, em especial, de uma garota vinda de uma escola da periferia de Marília e que desejava ser médica. “Era o sonho dela. Menina negra, estudiosa. E passou na UEM (Universidade Estadual de Maringá)”, diz Toloi.

A preparação extra aos alunos da própria escola e de tantas outras seria encerrada em 1994 após mais de uma centena de aprovações em vestibulares. “Foi uma das grandes realizações da gente na escola pública”.
 
DAS SALAS AOS GRAMADOS

Além das aulas de História, onde batia um bolão como professor, Toloi se arriscava também em outros campos de atuação. Mas, fora das quatro linhas. Na década de 1980, foi o treinador do time de futebol da Associação Okinawa de Marília no extinto Intercolonial.

Os jogos eram disputados no estádio do Fragata que ficava na antiga sede do Nikkey Clube de Marília, cuja fachada é onde se encontra hoje o Habib’s. Parte do gramado atual na saída aos fundos da loja fica onde era o campo de futebol.

“Eu não podia jogar porque não sou japonês (risos). O jeito foi ficar como treinador mesmo. Disputamos o campeonato entre 1985 e 1989 e fomos tricampeões”, contou o professor e técnico que ainda se tornaria ‘cartola’ de futebol de base.

Em 1990, Toloi foi convidado a integrar a diretoria do Expressinho/Santa Fé, uma escolinha de futebol criada pelo dono de farmácia Julio Minei (in memorian), que acreditava no esporte como um remédio às exclusões sociais.

O professor permaneceu no projeto até a desativação, em 2010. “Formamos mais de 150 profissionais. Entre tantos, o Fabiano (ex-São Paulo), o Eder (ex-Flamengo), o Alceu (ex-Palmeiras). A lista é grande”, lembrou Toloi.
 
HISTÓRIA ATUAL


Embora aposentado da rede pública de ensino, Carlos Toloi segue em sala de aula, onde já alcançou a terceira geração de alunos na mesma família. Desde 1989, ele compõe o quadro de professores do Colégio Interação.
 

“Só na escola que leciono pelo menos seis professores são meus ex-alunos”, citou. “O carinho que a gente recebe quando encontra na rua ou outros lugares talvez seja a maior gratificação que a gente tenha”.

Toloi diz ter enfrentado toda sorte de dificuldades para lecionar ao longo de 45 anos de magistério, mas nenhum maior que “a falta de reconhecimento da função do professor pela própria sociedade”.

“Somos trabalhadores oprimidos da Educação. Essa é a verdade. A escola pública se manteve de pé, apesar de todas críticas, devido à dedicação de muitos professores. Infelizmente, a Educação ainda não é prioridade no Brasil”, afirmou.

Aos 69 anos, solteiro e sem filhos, Carlos Toloi divide seu tempo entre as aulas, os amigos e a família – as duas irmãs também seguiram carreira na Educação. A História segue em frente, contada privilegiadamente nas salas de aula, por Carlos Toloi.

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