Com aparência hiper-realista, bonecas reborn despertam alerta sobre impactos na saúde mental infantil
O crescimento do interesse por bebês reborn — bonecas que imitam com precisão impressionante um recém-nascido — tem acendido um sinal de alerta entre especialistas em saúde mental infantil. Apesar de seu apelo visual e de relatos que exaltam o caráter lúdico dessas bonecas, psicólogos e educadores destacam que o uso indiscriminado por crianças pode gerar confusão emocional, afetar o desenvolvimento e até antecipar experiências adultas de forma precoce.

Dados do mercado e relatos de lojistas apontam que as principais compradoras dos bebês reborn são meninas entre 6 e 12 anos, muitas influenciadas por vídeos nas redes sociais que encenam rotinas reais de cuidados com os bonecos. Nessas gravações, chamadas de “roleplay”, as bonecas são tratadas como filhos: tomam mamadeira, “vão ao pediatra”, dormem em berços e são levadas em passeios, como se fossem reais.
Esse é o caso da pequena Manuela Gimenes de Azevedo, de 12 anos, que já coleciona nove bonecas reborn e visita regularmente a chamada “maternidade” Alana Babys, localizada em um shopping de Campinas. Segundo a mãe, o contato com as bonecas começou aos seis anos, por meio de vídeos na internet.
Apesar da aparência inofensiva da brincadeira, especialistas alertam que esse tipo de exposição pode comprometer o entendimento infantil sobre fantasia e realidade, e até interferir no desenvolvimento afetivo e social da criança. “A criança que cuida de uma boneca extremamente realista pode, sem a mediação adequada dos pais, interpretar o brinquedo como uma extensão de suas obrigações emocionais, o que pode ser prejudicial”, explica a psicóloga infantil Carla Medeiros, que atende em São Paulo.
Ela destaca ainda que o consumo exagerado e idealizado desse tipo de brinquedo pode induzir a hipermaternidade precoce — uma romantização do papel de mãe que aparece de forma distorcida e sem maturidade. “A infância é o tempo de explorar o mundo com liberdade simbólica, e não de simular vínculos complexos como a maternidade real, ainda que em brincadeiras”, ressalta.
Embora muitas lojas e fabricantes defendam o uso das bonecas como um instrumento de afeto ou superação emocional — inclusive em tratamentos para idosos com Alzheimer ou em contextos terapêuticos —, o problema se agrava quando crianças pequenas, sem o devido acompanhamento, passam a se relacionar com as bonecas de forma intensa e repetitiva, criando vínculos que podem levar ao isolamento social, frustração ou ansiedade.
A comerciante Alana Generoso, dona da loja Alana Babys, acredita que o contato com os reborns pode até ser educativo, desde que com limites claros. “A maioria das crianças que vêm aqui entende que é um brinquedo. Mas é papel dos pais reforçar isso e acompanhar o uso”, afirma.
A polêmica nas redes sociais ganhou força após vídeos de influenciadoras simulando situações reais com os bebês reborn viralizarem, gerando críticas e até propostas de regulamentação do setor. Para Andrea Janaína, artista que há oito anos confecciona bonecas reborn, as críticas são injustas e reforçam o preconceito contra expressões femininas. “Homens colecionam bonecos, fazem roleplay com jogos e ninguém diz nada. Quando são mulheres, a reação é diferente”, diz.
Ainda que parte da controvérsia seja alimentada por preconceitos, o debate sobre o uso adequado dos bebês reborn por crianças é necessário e urgente. A recomendação de especialistas é que os pais estejam atentos aos sinais emocionais dos filhos, orientem o uso do brinquedo como ferramenta de imaginação — e nunca como substituição de vínculos reais.
“É preciso entender que nem toda brincadeira é inofensiva. A saúde mental começa na infância e depende, em grande parte, do que ensinamos sobre limites e realidade”, conclui a psicóloga Carla Medeiros.