Dois membros da Câmara de Bauru (SP) são citados nos inquéritos policiais aos quais a TV TEM e o g1 tiveram acesso. Pastor Bira (Podemos) teria indicado parentes a cargos na instituição e José Roberto Segalla (União Brasil) sugerido mudanças no repasse de verba por telefone
A investigação sobre os desvios milionários na Apae de Bauru (SP) trouxe à tona a relação da entidade com membros da Câmara dos Vereadores.
Dois parlamentares da cidade foram citados no material, obtido com exclusividade pela TV TEM e pelo g1, em contextos diferentes, em um depoimento colhido em sindicância interna da Apae e uma gravação telefônica, ambos incluídos nos inquéritos que apuram as irregularidades na entidade e o desaparecimento e suposto assassinato da secretária executiva, Cláudia Lobo. Entenda:
Pastor Bira (Podemos)
De acordo com uma funcionária ouvida na sindicância interna aberta pela Apae após a prisão de Roberto Franceschetti Filho, ex-presidente da instituição, o vereador Pastor Bira teria indicado duas sobrinhas para serem contratadas pela entidade.
A funcionária, responsável pela área técnica da Apae, mencionou que seriam uma psicóloga e uma fisioterapeuta.
Como parte de seus encargos como parlamentar, Pastor Bira também destinou R$ 490 mil para a Apae, por meio de emenda impositiva, com finalidade exclusiva para atendimentos na área da saúde.
Em entrevista à TV TEM, o vereador explicou como aconteceram as contratações:
“Isso é uma irresponsabilidade muito grande, porque jamais as indicações que foram feitas eram condicionadas a essa ou aquela vantagem. Era uma oferta de emprego em momentos diferentes. Uma em junho de 2023, quando começou o processo, e a contratação aconteceu em agosto de 2023. A outra foi aberta no decorrer de 2024, em janeiro, passou por um processo seletivo, fez uma entrevista e foi contratada em fevereiro de 2024. Essas indicações foram feitas dentro da normalidade do processo. Não há nada condicionado, eu jamais condicionaria isso a um recurso tão importante para a sobrevivência da Apae, que passou por toda a tragédia que se abateu sobre a instituição.”
“Eu só tenho a lamentar, mas acredito que, se houve algum tipo de desvio nas indicações, ele já vem acontecendo há algum tempo, e talvez se coloque tudo na mesma esteira, o que não é o meu caso. Nós temos todo o processo legal de contratação. Tenho o meu sigilo telemático, que pode ser quebrado, e o meu sigilo financeiro, que também pode ser quebrado. Não há nenhum tipo de condição que permita ilações do tipo de que eu condicionava as emendas à contratação das sobrinhas. Elas foram contratadas por pura competência, por mera indicação para participar de um processo seletivo”, disse à TV TEM.
José Roberto Segalla (União Brasil)
Já o vereador José Roberto Segalla aparece em uma gravação telefônica incluída nos inquéritos obtidos pela TV TEM e pelo g1.
Na ligação, Roberto Franceschetti Filho discute a utilização de um repasse de R$ 70 mil feito por Segalla para a compra de cordões de girassol, destinados a identificar pessoas com autismo.
Durante a conversa, Roberto menciona que seria difícil destinar o valor para essa finalidade, ao que o vereador sugere que “dê um jeito”. Ouça:
Áudio revela vereador de Bauru discutindo repasse para Apae
Em entrevista à TV TEM, José Roberto Segalla se posicionou sobre o caso:
“Naquela época, estávamos empenhados em fazer a distribuição dos cordões de girassol para pessoas com autismo. Tentamos com a Sorri, mas eles não podiam naquele momento. Aí conversamos com a Apae, porque ela tem a possibilidade de fazer o cadastro dessas pessoas. A ideia era que a pessoa com autismo fosse até a Apae, se cadastrasse e recebesse o cordão. Nós conseguimos a doação desses cordões por meio de empresários de Bauru, com quem fiz contatos pessoais. Os cordões foram doados, não teve dinheiro nenhum envolvido nisso, e a Apae apenas iria fazer a distribuição. Mas havia a previsão da possibilidade de uma emenda para poder fazer com que isso tivesse uma extensão maior, porque a doação foi limitada”, explica.
“Os empresários doaram uma quantidade determinada de cordões, mas nós tínhamos necessidade de mais cordões. Só que não era possível destinar o valor diretamente para essa finalidade, não é? Então, a frase foi essa: ‘a gente faz a doação para a saúde e você dá um jeito’. Esse ‘dá um jeito’ significa vincular isso a algum projeto de saúde. A Apae tem uma série de projetos de saúde, então era vincular isso a algum projeto de saúde. Era basicamente isso que a gente estava pretendendo”, completa.
Apae de Bauru é alvo de duas investigações — Foto: Reprodução/Google Maps
Valores repassados por vereadores
Além de Pastor Bira e Segalla, outros vereadores também direcionaram emendas impositivas à Apae. São eles:
- Benedito Roberto Meira (Novo): R$ 544.767,30
- Edson Miguel de Jesus (Republicanos): R$ 100 mil
- Guilherme Berriel Cardoso (PSB): R$ 546.621,84
- Luiz Eduardo Penteado Borgo (Novo): R$ 93 mil
- Manoel Afonso Losila (MDB): R$ 70 mil
Os valores somam R$1.844.389,14 e, conforme informado pela prefeitura, o montante foi destinado exclusivamente a serviços de saúde. No entanto, não há confirmação de que todos os recursos tenham sido efetivamente pagos.
Desvios milionários e suposto homicídio
A operação que investiga irregularidades financeiras na Apae apontou um esquema que teria desviado pelo menos R$ 6,8 milhões da entidade.
Entre os crimes identificados estão superfaturamento de contratos, “rachadinhas”, funcionários “fantasmas” e transferências diretas para contas dos envolvidos.
A investigação foi impulsionada pelo desaparecimento de Cláudia Lobo, ex-secretária executiva da Apae, em agosto. Segundo a Polícia Civil, Cláudia foi assassinada por Roberto Franceschetti Filho devido a disputas internas de poder.
Embora o corpo não tenha sido localizado até o momento, o inquérito concluiu que houve homicídio, o que levou a uma apuração mais ampla sobre a gestão da instituição.
Matéria: g1 Bauru