Era dezembro 22 de dezembro 1981, e as TVs noticiavam o acidente automobilístico comprometendo a perna direita do atleta João do Pulo, tetracampeão pan-americano, medalhista olímpico e detentor do recorde mundial do salto triplo. Meses depois foi impossível salvar a perna, e em 1999 nosso herói das pistas morreu lutando contra a depressão, dívidas e alcoolismo.

Em 1998, o velejador Lars Grael, também medalhista olímpico e de carreira icônica, perdeu sua perna direita num acidente de lancha. Alguns meses após recompor-se da perda começou a dar palestras e treinar atletas mais novos. Também serviu como Secretário de Esportes do governo FHC e escreveu o livro “A Saga de um Campeão”, motivando seus leitores.

Pois bem, ambos no auge das suas carreiras, em circunstâncias de impactos similares tomaram rumos opostos. O fator determinante foi a “resiliência”. Este termo foi emprestado da física, fazendo menção a um corpo que, após sofrer pressão extrema, volta ao seu estado original sem se deformar. Para você melhor compreender, imagine-se pressionando um copo de vidro com as mãos.

Após uma excessiva pressão o copo vai se quebrar. No entanto, se o copo for de borracha, você exercerá a mesma carga de pressão e depois ele retornará ao estado natural, sem qualquer sinal de alteração. Ao longo da vida sofremos pressões, torções, esticamentos e dobramentos, de diferentes formas e intensidades, e precisamos de resiliência, caso contrário nossas almas se deformam para nunca mais retornarem ao estado natural.

Uma das falas bíblicas mais completas sobre o tema vem de Paulo, o apóstolo em Filipenses 4.10-13: “Alegrei-me, sobremaneira, no Senhor […] Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece.” Quatro destaques importantes para enfrentarmos os embates da vida com elasticidade.

Em primeiro lugar, vejo que podemos nos treinar para os enfrentamentos da vida, visto que ele inicia sua narrativa com a afirmação “Aprendi…”. Recentemente Daniel Goleman, psicólogo e autor do bestseller Inteligência Emocional, elencou experimentos que confirmam esta possibilidade: podemos nos treinar para controlar emoções. Então a boa notícia é que “pau que nasce torto pode ser endireitado com treinamento e disciplina emocional”.
Em segundo lugar, vejo que precisamos reinterpretar o conceito de contentamento. Paulo continua “…viver contente…”. O termo grego para contentamento é “autarkês”. Daí vem a palavra “autarquia” isto é, um governo legalmente autônomo ou formalmente descentralizado. Isso significa que Deus exerce sua soberania sobre todos nós, evidentemente, mas somos independentes para exercermos domínio sobre nossas emoções. Sendo assim, contentamento é mais do que satisfação ou alegria com algo. Tem a ver com o controle daquilo que sentimos nos momentos de intensa pressão.

Quem nos ajuda neste viés é o pai da Logoterapia, o Dr. Viktor Frankl, que durante toda a Segunda Guerra Mundial ficou preso nos piores campos de concentração, inclusive o de Teresin e Auschwitz. Teve sua casa incendiada, seus bens roubados, sua família exterminada pelos nazistas e, na volta à liberdade, deixou de presente a todos, a célebre frase: “Eu não tive o controle sobre o que fizeram comigo, mas eu posso ter o controle sobre o que fazer com aquilo que fizeram comigo.” Isso é “autarkês”. Manter o governo sobre o que fazer com aquilo que a vida faz conosco, amargar a alma ou perdoar e seguir adiante com leveza.
Em terceiro lugar, ele destaca a incondicionalidade desse contentamento.

Destaque para a expressão “…em toda e qualquer situação.” Alguns estranhamente suportam pressões adversas. Contentam-se quando estão no anonimato e na pobreza, mas deformam-se sob as regalias do status, fama e riqueza. Um pesquisador montou uma escala, pensando em uma espécie de “termômetro” para lidar com a resiliência ao sucesso. A cantora Amy Winehouse entrou como estudo de caso, mas outros desportistas e artistas também foram observados. É fato que a rápida ascensão pode gerar a conhecida “espiral de destrutividade”. Precisamos contentamento para vivermos bem em ambos os extremos sociais.
Finalmente, em quarto lugar Paulo menciona o seu precioso vínculo a Cristo – “…tudo posso naquele que me fortalece.” – como a razão para sua resiliência. O poder de Cristo produz, em nosso interior, a capacidade de voltar ao estado natural sem a deformação da alma. Aqui surge o mesmo termo grego, “dúnamis” – poder – o mesmo poder de impacto que está em Atos 1:8 por exemplo. Trata-se de uma força sobrenatural de efeito devastador.
Daí deriva-se a palavra “dinamite”. Este poder sobrenatural advindo da nossa união a Cristo nos faz resilientes para suportarmos os extremos do existir.

Que Deus nos ajude a, neste mundo de pandemia, guerra e oscilação econômica, não deformarmos a alma.
 
Rev.  Marcos Kopeska
Pastor da IPI de Chapadão do Sul
Escritor e conferencista

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