Quando criança, tive dois amigos que apanhavam muito, a Kátia e o Mateus. Eles não se conheceram, estudavam em colégios diferentes, moravam em bairros diferentes, tinham classes sociais diferentes. O único ponto em comum que eu percebia nos dois era a violência dos pais. A mãe do Mateus dava socos nele e nos irmãos, na frente das outras crianças. A Kátia sofria castigos imensos, a mãe a obrigava a comer pimenta caso ela questionasse uma ordem.
A rigidez só gera mais rigidez. A violência só gera mais violência. É impossível ensinar respeito à alguém desrespeitando-o. É impossível ensinar bondade sendo malvado.
Hoje, sabemos que palmadas e castigos não funcionam. Revoltam os filhos, pioram a relação familiar, evoluem para violências maiores e mais perversas. Sabemos também que é possível educar filhos sem violência e nem castigos. Quando ouvi isso pela primeira vez, pensei: “será?!”. A palmada, os gritos, o castigo e a privação pareciam funcionar para educar crianças.
Até que percebi que, realmente, os gritos e os castigos só me distanciavam das minhas filhas. Elas não me respeitavam mais, ao contrário. Se revoltavam. A mais velha chorava de raiva, a mais nova me pedia pra nunca mais gritar. Elas não estavam cultivando respeito por mim. Elas estavam com medo. Cheio de remorso, mas ainda desconfiado, comecei a experimentar educar com respeito. Passei a evitar gritos. Repensar ordens. Abolir castigos. Me desapeguei da obrigação de ter a última palavra sempre. Me tornei amável. Elas passaram a ter mais prazer na minha presença. Deixei de ser temido, passei a ser amado. Ao ser amado, passei a ser profundamente respeitado.
Mateus e Kátia, meus amigos de infância, cresceram revoltados e quebrados por dentro. Lembro do Mateus crescendo um adolescente retraído. A Kátia, muito carente, engravidou cedo. Os dois tiveram problemas com drogas. Existe um provérbio africano que diz: “quando uma criança não recebe amor da sua tribo, colocará fogo na aldeia apenas para sentir algum tipo de calor”. Acho que é isso que está acontecendo no mundo. As pessoas continuam buscando o amor do pai e da mãe no dinheiro, nas drogas, nos remédios, no Instagram.
Os pais são a fortaleza afetiva dos filhos e cada vez que esse acordo é quebrado, se quebra a alma de uma criança.
Recolher os cacos dá muito mais trabalho do que preservar sua alma intacta. A alma de uma criança, tão boa e tão inocente, não tem culpa se nossa própria alma está cheia de rachaduras.
Sempre é tempo de recomeçar.
Marcos Piangers