Dois pingos de relatos que transformaram vidas pela crença e a ciência na medicina canábica. A associação mariliense que decanta resultados em todo o país enquanto destila o preconceito

Por Rodrigo Viudes

Setembro de 2020. A estudante de Direito, Nielli Caroline Bosso, retornava da faculdade, a caminho de casa, em Bauru (SP), quando o carro em que estava capotou.

Em estado grave, ela adentrou o serviço de saúde em plena pandemia do novo coronavírus com traumatismo craniano e perfuração no tórax.

A estudante ficaria 41 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e passaria por cirurgia para reconstituição da mandíbula e do maxilar.

Do lado de fora, a mãe, Nilceia Bosso, vivia a agonia de não poder visitar a filha enquanto cuidava dos quatro netos – o mais novo de apenas dois meses.

“Foram longos dias sem que houvesse melhora. Não conseguiam tirar a Nielli do respirador e da sedação”, recorda a mãe.

Nielli e a mãe Nilceia encontraram a cannabis e o carinho na Maria Flor

Ao retornar, enfim, para casa, quase dois meses depois do acidente, a Nielli continuava a respirar por traqueostomia e seguiria alimentada por sonda durante várias semanas.

“Os médicos falavam de paralisia cerebral e que a Nielli não iria falar mais, pois a lesão havia sido muito grave”, conta Nilceia.

Apenas três anos depois, Nielli se comunica, consegue caminhar e já faz planos de retornar, o quanto antes, para a faculdade de Direito.

Em Caçapava (SP), a pecuarista Luciana Coutinho estava à beira de autorizar a eutanásia ao seu Scooby-Doo, um doguinho resgatado.

Nenhum exame explica o porquê de sua tremedeira. O cãozinho parou de andar, passou a usar fraldas e a ter seus dias contados.

Scooby-Doo passou por diferentes exames sem que seu problema de saúde fosse diagnosticado

Além dele, o cavalo Guri, um imponente mangalarca, havia se enroscado em um arame farpado que lhe provocou um corte profundo na bragada da coxa direita.

“Nós o encontramos no terceiro dia. Estava preso, sem beber água. Quando meu marido cortou o arame, ele bambeou e começou a urinar”, contou Luciana.

Passados poucos meses, Scooby-Doo virou um serelepe pela casa. E o Guri agora carrega uma discreta cicatriz à sua beleza galopante na fazenda.

MARIA FLOR

Estes relatos de superação de situações delicadas de saúde para a retomada da qualidade de vida contam-se aos milhares entre os associados da Maria Flor.

A entidade é canábica. Cultiva sete variedades diferentes da planta pela agricultura orgânica em sua sede em Marília (SP).

Da terra brotam as soluções distribuídas para todo o Brasil: óleos, pomadas e sabonetes produzidos artesanalmente.

Segundo dados da entidade, 79,23% dos pedidos abastece o Sudeste do país. Ao Sul vão 14,94%. Ao Centro-Oeste, 2,70%; ao Nordeste, 1,99% e ao Norte, 1,14%.

Mais requisitado, o óleo é vendido em frascos de 30 ml, com entrega estimada de 600 gotas. O preço varia de R$ 150 a R$ 350.

Adepta da doutrina do Santo Daime, Nilceia Bosso encontrou o produto e a acolhida de que tanto precisava na Maria Flor.

“Posso afirmar com toda a certeza que a cannabis salvou minha filha da morte. A cada gotinha, as coisas foram acontecendo”, afirmou.

Além do óleo, Nielli também utilizou pomada e sabonete de cannabis para tratar uma escara pós-internação. “Fechamos uma ferida enorme em 15 dias”, diz a mãe.

Os três produtos entraram na rotina de tratamento da pecuarista Luciana Coutinho aos seus bichos de estimação.

A ferida exposta do cavalo foi lavada diariamente com sabonete e revestida de pomada pela filha Maria Eduarda. O animal também ingeriu gotas do óleo.

A border collie Julie continua a tomar gardenal, mas é o óleo que, segundo a pecuarista, faz a diferença nos momentos de crise.

“Dou quatro, cinco gotinhas e em quatro minutos cronometrados, a convulsão passa e ela já começa a se lamber normalmente”, relata.

O serelepe Scooby-Doo, hoje, após tratamento com cannabis

A pecuarista chegou até os produtos após conhecer uma parceria da Maria Flor e um trabalho social desenvolvido em uma paróquia da zona leste da cidade de São Paulo.

MEDICINA + CANNABIS

Para ter acesso aos produtos oferecidos pela Maria Flor é preciso preencher um cadastro disponível no site – mariaflor.org.br.

Entre os documentos exigidos estão o termo de responsabilidade, a receita e o laudo médicos. A confirmação ocorre em até 5 dias, por e-mail.

“Os únicos profissionais da Saúde que podem prescrever o uso dos produtos são os médicos, os veterinários e os cirurgiões dentistas”, enfatiza a presidente, Claudia Marin.

“Recebemos prescrições de muitas especialidades. Temos terapeutas canábicos para orientar médicos e veterinários”, explica.

Claudia Marin e o filho Matheus, cuja deficiência estimulou a busca por tratamento na medicina canábica

A ampla lista de patologias tratáveis com cannabis medicinal disponível no site da Maria Flor difere a do Conselho Federal de Medicina (CFM).

A Resolução 2.324, de 11 de outubro de 2022, “aprova o uso de canabidiol para o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente refratárias às terapias convencionais na Síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut e no Complexo de Esclerose Tuberosa”.

O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), por sua vez, orienta aos seus profissionais que não receitem produtos canábicos por insegurança jurídica.

No entanto, o canabidiol já consta na lista de insumos autorizados para prescrição médica pela Portaria 344 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

PRECONCEITO

Apesar dos benefícios percebidos pelos pacientes que fazem uso de produtos canábicos, o tratamento ainda sofre resistências – dentro e fora dos consultórios.

Principalmente pela associação direta à maconha, cuja aquisição, posse e transporte para consumo pessoal é crime no Brasil.

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O julgamento da discriminalização foi suspenso neste mês no Supremo Tribunal Federal (STF) com cinco votos favoráveis e três contrários.

“Estamos torcendo pela discriminalização da planta para que as pessoas possa fazer o melhor tratamento possível”, explica Claudia Marin.

Cofundadora da Maleli, precursora da Maria Flor, a ativista Nayara Mazini diz que o preconceito à cannabis é de ordem estrutural no país.

“É algo que passa pela falta de conhecimento, informação, pelo negecionismo, por questões moralistas, por interesses econômicos e por preguiça de estudar mesmo”, conclui.

Após sua saída da Maria Flor, Mazini tem se dedicado à causa da cannabis na Sociedade Brasileira de Enfermagem Canábica.

1 Comentário

    Minha mãe, 99 anos, tem alzheimer e faz uso do canabidiol que foi receitado pelo médico que trata pela medicina ganância! Os resultados foram bons nos momentos de crise e hoje apenas para manutenção e equilíbrio! Não houve nenhum resultado adverso.

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